Instituições de Pesca no Brasil: Trajetórias, Mudanças e Grupos de Interesse entre 1962 e 2022.
Pesca industrial, grupos de interesse da pesca industrial, insustentabilidade da pesca,
instituições, políticas públicas.
A pesca marinha e interior e a aquicultura desempenham um papel crucial na segurança alimentar, na cultura e nos meios de subsistência de milhões de pessoas que dependem da pesca para obter rendimentos e nutrição essencial. No Brasil, embora a pesca ocupe uma parte insignificante do PIB nacional, ela tem importância social, econômica e cultural, principalmente para os pescadores artesanais e populações vulneráveis. O Brasil tem um histórico de negligência na gestão pesqueira, representado pela instabilidade política institucional, pela má implementação de políticas públicas e pela falta de dados oficiais sobre o estado dos estoques pesqueiros. Partindo do pressuposto de que o cenário atual da pesca nacional é resultado de décadas de políticas públicas falhas, propomos realizar uma análise histórica para compreender como os grupos de interesse da pesca industrial e a instabilidade das instituições pesqueiras formais estão relacionados com o cenário atual da pesca brasileira no qual o pilar ambiental da sustentabilidade não está presente. Nesta pesquisa, divido-a em duas partes. Na primeira fase, conduzi uma investigação histórica sobre como os grupos organizados de interesse da pesca industrial se tornaram mais ativos e influentes e as estratégias que utilizaram para influenciar as políticas públicas para a pesca. Na segunda parte, proponho duas causas potenciais que poderiam explicar o resultado: (C₁) grupos de interesse organizados da pesca industrial e (C₂) instabilidade institucional. O C₁ baseou-se na teoria dos grupos de interesse e na evidência empírica de que as políticas públicas estabelecidas para a pesca industrial nas décadas de 1960, 1970 e 1980 promoveram o fortalecimento e a organização de grupos de interesse que passaram a atuar para influenciar as políticas públicas em favor da pesca industrial. O C₂ propõe que a instabilidade das instituições governamentais pesqueiras, observada desde a segunda metade da década de 1990, interferiu na implementação das políticas públicas pesqueiras. A pesquisa tem um recorte temporal entre 1962 e 2022, que começa com a criação da Sudepe autarquia federal que foi responsável exclusivamente pelas políticas pesqueiras por mais de duas décadas e termina no último ano do governo de extrema direita eleito em 2018. Os conceitos e os modelos teóricos que nortearam a análise desta pesquisa provêm da tradição do Institucionalismo Histórico. Apliquei a metodologia de pesquisa histórica na primeira fase e, na segunda, utilizei a metodologia da congruência como modelo de investigação de estudo de caso que permitiu fazer inferências sobre relações causais. Os resultados mostram evidências de que as ideias que existiam sobre o potencial de produção pesqueira no Brasil e os seus possíveis benefícios socioeconômicos foram os motivadores para a implementação de políticas pesqueiras voltadas ao desenvolvimento da indústria de pesca e que elas forneceram incentivos para a organização e fortalecimentos dos grupos de interesse da pesca industrial e seu papel em influenciar o desenvolvimento de políticas que servissem aos seus interesses. Após o fim da Sudepe e a criação do Ibama, já no começo da década de 1990 esses grupos agiram contra as políticas destinadas a recuperação de estoques pesqueiros sobreexplorados. As evidências mostram que a instabilidade institucional observada a partir da década de 1990 está possivelmente relacionada com as ações dos grupos de interesse da pesca industrial para combater as políticas ambientais implementadas. O governo de extrema direita eleito em 2018 retirou os órgãos ambientais federais da gestão da pesca e nomeou um representante da pesca industrial como chefe do novo departamento responsável pelo setor pesqueiro. Compreender como essas causas contribuíram para a construção do cenário atual da pesca nacional brasileira pode ajudar a planejar um caminho para uma pesca sustentável no médio e longo prazo.