Logística, Território e Desigualdade: A Reconfiguração do Ceará pelas Redes Globais de Produção no Porto do Pecém
Infraestruturas logísticas, Redes Globais de Produção,Porto do Pecém, Porto de Roterdã, hidrogênio,transição energética.
Esta tese analisa as transformações espaciais provocadas por infraestruturas logísticas em redes globais de valor, com foco no Porto do Pecém, localizado na Região Metropolitana de Fortaleza. A pesquisa investiga como a internacionalização do Porto, especialmente após sua aquisição parcial pelo Porto de Roterdã em 2018, vem reorganizando a divisão territorial do trabalho no Ceará. Utilizando uma abordagem multiescalar, entende os portos como nós logísticos de redes globais de valor. Desde sua inauguração em 2002, o Porto do Pecém resulta de parcerias entre o Governo do Ceará e conglomerados privados internacionais. Sua transformação ganhou novo fôlego com a entrada do Porto de Roterdã, que passou a deter 30% da autoridade portuária e 100% da ZPE. Esta relação revela um modelo inédito de cooperação entre entes públicos nacionais e estrangeiros no Brasil, e reflete a crescente transnacionalização do setor portuário. Inicialmente voltado à exportação de frutas e calçados, o porto passou a movimentar majoritariamente aço a partir de 2016. Esses produtos refletem diferentes configurações produtivas e laborais: o agronegócio com trabalho precário e sazonal; a indústria calçadista, intensiva em mão de obra feminina e de baixos salários; e a siderurgia, capital-intensiva, com melhores remunerações. A instalação do porto implicou grandes obras de infraestrutura, deslocamento de comunidades, e mudanças territoriais, como a ampliação da Região Metropolitana de Fortaleza para incluir São Gonçalo do Amarante (SGA), sede do porto. Entretanto, persistem desigualdades urbanas e conflitos socioambientais nas áreas vizinhas, com escassez de água, desmatamento e ausência de serviços públicos básicos. Recentemente, destaca-se a implantação de um hub de hidrogênio verde (H₂V) na ZPE do Pecém, com apoio do Governo do Ceará e alinhamento às diretrizes da União Europeia. O hidrogênio será exportado para a Europa, especialmente França e Alemanha, por meio de um corredor logístico marítimo Pecém–Roterdã. No entanto o H2V envolve uso intensivo de água, eletricidade, terras e futuramente ocêanos, além de riscos ambientais associados ao armazenamento e transporte em forma de amônia. Grandes armadores globais, como Maersk, MSC, CMA CGM e Cosco, exercem papel central ao moldar fluxos comerciais e políticas portuárias por meio da verticalização de seus serviços. O Porto de Roterdã, além do Pecém, participa de projetos similares em diversos continentes. No caso brasileiro, marcos regulatórios recentes flexibilizaram normas e ampliaram a atuação do capital privado no setor, beneficiando projetos como o do Pecém. Além do hidrogênio, o porto atrai investimentos em energia fóssil. Em 2024, a Shell firmou um memorando para escoamento, armazenamento e comercialização de petróleo bruto no Pecém, ampliando a dualidade da transição energética e revelando contradições entre discursos sustentáveis e práticas extrativistas. Assim, a tese conclui que, embora o Porto do Pecém impulsione a economia cearense, também perpetua desigualdades socioespaciais e aprofunda a relações assimetricas nas redes globais de valor.