Predicação secundária: propriedades sintáticas, semânticas e pragmáticas
predicação secundária; depictivos; distinção stage-level vs. individual-level; sintaxe; semântica; pragmática.
Esta tese investiga construções de predicação secundária depictiva no português brasileiro (PB), a exemplo de sentenças como João entrou na sala zangado e Pedro comeu as cenouras cruas. O fenômeno da predicação secundária é caracterizado pela dupla marcação temática de um argumento, que participa de duas relações de predicação distintas (cf. Rothstein 1983; Foltran 1999; entre outros), de modo que a eventualidade denotada pelo predicado secundário depictivo (zangado e crua, nas sentenças exemplificadas) coincide temporalmente com a eventualidade denotada pelo predicado principal (Halliday 1967; Himmelmann & Schultze-Berndt 2005). Com relação às propriedades sintáticas dessas construções, vamos partir do entendimento, com base no trabalho que iniciamos em Ferreira (2017), de que elas contêm um constituinte small clause (SC) que abrange o depictivo e seu sujeito, estando essa SC adjungida a alguma projeção na oração matriz: vP, no caso do depictivo orientado ao sujeito, ou VP, no caso do depictivo que se orienta ao objeto direto. Também partimos do pressuposto de que essas sentenças são derivadas via movimento lateral (Nunes 1995, 2001, 2004; Boeckx, Hornstein & Nunes, 2010; entre outros) do DP contido na SC adjunta para uma posição temática na oração matriz, não havendo, então, uma categoria PRO como sujeito da SC, e sim Copy + Merge do DP que se move. Trata-se de uma proposta que concebe as construções depictivas como estruturas de controle geradas via movimento, podendo ser entendida como uma consequência da Movement Theory of Control (Hornstein, 1999, 2001). A partir disso, esta tese oferece uma resposta à principal objeção que poderia ser feita à derivação de construções depictivas de objeto direto, que é o fato de ela violar o princípio de economia Merge-over-Move (MoM) (cf. Chomsky 1995, 2000): argumentaremos, com base em Motut (2010), contra esse princípio, entendendo que ele deve ser descartado como um princípio do sistema, por não se sustentar do ponto de vista conceitual ou empírico. Também oferecemos na tese uma explicação para a possibilidade de subject control e object control nas construções depictivas (O Joãoi cumprimentou o Paulok eci/k bêbado), em constraste com a impossibilidade de object control em estruturas semelhantes, como [O João]i cumprimentou [a Maria]k depois de [eci / *k entrar na sala] (Nunes 2014: 79). Mostraremos que esse contraste pode ser explicado assumindo-se o sistema de Nunes (2004) para a linearização de sentenças e assumindo-se que, na oração principal, entre o vP e o VP, existe uma categoria aspectual Asp, para cujo Spec se move o DP que tenha sofrido Merge na posição de complemento de V. Devido à diferença de altura nos locais de adjunção, apenas as construções depictivas ficam em uma configuração em que a sentença pode ser linearizada de maneira a permitir o object control, diferentemente das sentenças com uma oração temporal adjunta (cf. M. Ferreira 2000). Quanto às propriedades semânticas e pragmáticas das construções depictivas, argumentaremos, com base em Foltran (1999), Rothstein (2004b), McNally (1993, 1997), Ardid-Gumiel (2001), Bosque (2022), entre outros trabalhos, que essas estruturas precisam atender aos seguintes requisitos para serem licenciadas: (a) requisito da coincidência temporal, segundo o qual as eventualidades da construção depictiva devem coincidir em determinado intervalo; (b) requisito pragmático, segundo o qual a condição de simultaneidade imposta sobre o estado de coisas descrito pelo predicado primário e sobre o estado de coisas descrito pelo predicado secundário não pode ser trivialmente cumprida, com exceção da possibilidade de se explorar a infelicidade da justaposição para efeitos conversacionais; (c) requisito da predicação com leitura stage-level, segundo o qual ao menos uma das predicações que compõem a construção depictiva deve veicular uma leitura stage-level, ainda que esta se obtenha por coerção de um predicado individual-level; (d) requisito da compatibilidade aspectual (para depictivos em sentido estrito), segundo o qual a estrutura eventiva do predicado primário deve permitir que o depictivo faça referência a um (sub)evento processo ou a uma transição; (e) requisito da relevância, segundo o qual a eventualidade denotada pelo depictivo deve ser relevante para a eventualidade denotada pelo predicado primário. Um aspecto crucial para esta tese, relativo ao requisito pragmático enunciado em (b), é o fato de defendermos, com base em McNally (1993, 1997), que depictivos podem ser do tipo individual-level no PB, sem sofrer coerção para uma leitura stage-level (contra Foltran 1999): é o que ocorre em sentenças como Robert Prevost saiu do conclave um papa ou Ele voltou americano, em que a inferência default de persistência temporal associada ao depictivo IL é vencida e a sentença é licenciada por esse motivo. Exploramos também outra configuração que licencia um depictivo IL, mas no qual este sofre coerção, como A Madonnai lembra a Marilyn Monroe loirai.