Gênero e corpo no self dialógico: queerizando o self
gênero, corpo, desenvolvimento humano, Teoria do Self Dialógico, Teoria Queer
Esta pesquisa buscou analisar o papel do gênero no self dialógico a partir de um estudo sobre processos de desenvolvimento de sujeitos que se declaram LGBTQIAP+, promovendo uma aproximação teóricoempírica da Teoria do Self Dialógico com conceitos da perspectiva queer. Desde o final do século XX, as ciências sociais e humanas vivenciam um intenso debate crítico, de revisão de postulados dominantes que historicamente contribuíram para a exclusão e a patologização de diversos sujeitos, como LGBTQIAP+, mulheres, negros, crianças, entre outros. Entre transformações desencadeadas por tal debate estão aquelas relacionadas ao conceito de identidade, que vem deixando para trás as raízes cartesianas, fortemente criticadas por perspectivas como pós-estruturalismo, feminismo e filosofia da linguagem. Um aspecto comum dessas novas perspectivas é pensar a subjetividade humana em termos relacionais, enfatizando sua interdependência com a cultura, assim como seu caráter concreto, ancorado no contexto e na corporeidade. Com isso, as ciências sociais e humanas testemunham um importante crescimento de reflexões sobre a localização social dos sujeitos e as forças de poder que os atravessam, dando atenção especial aos marcadores sociais da diferença, entre os quais destacamos gênero e sexualidade. Contudo, apesar do crescimento e das importantes contribuições dos estudos de gênero e feministas neste debate, o diálogo da Psicologia com essas perspectivas, e suas reflexões em torno de gênero, sexualidade e corporeidade continuam modestos, geralmente restritos a um uso descritivo desses termos, pouco desafiando os postulados tradicionais fundamentados na objetividade do conhecimento e em um suposto sujeito universal. O aprofundamento do diálogo entre a Psicologia e os estudos de gênero, que nos permita revisitar a concepção de subjetividade e, com ela, nossos próprios postulados teórico-metodológicos está entre as contribuições deste trabalho para o paradigma crítico na Psicologia. Partindo da perspectiva do self dialógico, e de contribuições da perspectiva queer para a compreensão do papel do gênero na construção do self, realizamos uma investigação com três sujeitos LGBTQIAP+ adultos. Buscamos analisar as principais transformações na organização do self relacionadas ao processo de declarar-se dissidente sexual e/ou de gênero, dando importante atenção à corporeidade. A pesquisa se deu em duas etapas: uma composta por duas entrevistas individuais e a segunda por uma roda de conversa. A análise da primeira etapa foi organizada em três dimensões: D1) Interpelações e negociação com as normas de gênero, que contou com um instrumento nomeado de Matriz Transversal; D2) Percepção de futuro, sombras e imaginação; D3) Atores e relações pessoais/sociais, que inclui o Mapa das Relações do Self, instrumento que apresenta as principais transformações identificadas. Os dados da roda de conversa foram utilizados em uma construção dialógica do capítulo de discussão. A partir das experiências compartilhadas, a pesquisa atestou a transversalidade do gênero no self e sua intrínseca relação com a corporeidade, identificando diversos desafios que corpos dissidentes enfrentam ao longo da vida. Demonstrou, também, que o posicionamento de se declarar LGBTQIAP+ desencadeia reorganizações no self que podem levar a um reposicionamento dos sujeitos na relação com a cultura e na imaginação de outras possibilidades de futuro e existência