ASCENSÃO E QUEDA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR: o esvaziamento do CDC a partir da jurisprudência do STJ.
Consumidor. Estado de Direito. Liberalismo. Ideologia. Lei Principiológica. Diálogo das Fontes. Vulnerabi-lidade. Liberdade Negativa. Interpretativismo Jurídico.
A presente dissertação sintetiza a inquietação resultante de um olhar crítico às questões envolvendo o direito do consumidor no âmbito do Superior Tribunal de Justiça nos mais de 20 anos de atuação profissional em gabinetes de ministros componentes das Turmas que integram a Segunda Seção da Corte. Parte da revisitação do contexto histórico que serviu de cenário para a construção de um Direito do Consumidor no Brasil até a efetiva promulgação do Código de Defesa do Consumidor brasileiro. Segue adiante apontando as estruturas ideológicas liberais como responsáveis pela exacerbação dos valores econômicos na sociedade e pela definição do papel do Poder Judiciário como instrumento de indução de um consenso sobre esses valores e ideias que, em última análise, privilegiam interesses dos setores econômicos. Ao final, a pesquisa procura ilustrar, por meio de exemplos retirados da jurisprudência do STJ, a intervenção do Poder Judiciário para recuperar concessões legislativas e neutralizar as conquistas do consumidor. Num pano de fundo marcado pela profunda alteração da relação entre sociedade e economia, em que aspectos fundamentais da vida humana passaram a se subordinar às relações de mercado, o funcionamento do Estado é ponderado a partir da análise de seus elementos estruturais, que acabam por convergir para o natural processo de esvaziamento do CDC. Em nome de um direito à liberdade, o poder político se restringe, de molde a deslocar as relações econômicas para o campo privado. Como resultado, o indivíduo é quem deve determinar as suas relações econômicas e sociais, defendendo, de forma isolada, os interesses que são, na realidade, coletivos ou gerais. Paralelamente, com a função pública restrita a áreas determinadas, como a da segurança territorial, da propriedade privada e do cumprimento dos contratos, o Estado acaba por operar como mero garantidor das relações privadas, criando e conservando diferenças e hierarquias, ao apenas assegurar o livre jogo das forças de mercado. Com isso, assegura a remuneração do capital à custa, inclusive, do vilipêndio de direitos dos consumidores, de molde a afirmar a liberdade de exploração do cidadão comum pelo economicamente privilegiado, edificando uma liberalidade social qualificada pela propriedade. Nessa estrutura, o Poder Judiciário atua de forma a conservar o status quo e a fortalecer o projeto de sociedade liberal, ora garantindo a manutenção dessas estruturas, ora recuperando o espaço eventualmente perdido, por meio do processo legislativo, pelos setores econômicos. Os exemplos retirados da jurisprudência do STJ dão concretude à argumentação, deixando evidente o contraditório papel desempenhado pelo Judiciário na vandalização das estruturas de defesa do consumidor e, por outro lado, na manutenção de abusos e privilégios.