Levar a vida com um "bom cuidado": Narrativas e perspectivas sobre sofrimento, pertencimento e tratamento de usuários de drogas atendidos em CAPS AD no DF
Usuários de drogas. Política sobre drogas. Sofrimento. “Bom cuidado". CAPS AD. Distrito Federal.
No contexto da política sobre drogas brasileira, a atenção às pessoas que usam substâncias psicoativas é um campo propício à emergência de tensões e disputas acerca das práticas de tratamento mais adequadas. Orientados pelos princípios norteadores da Rede de Atenção Psicossocial, diversos atores estão envolvidos na produção do cuidado, o que, na prática, passa por diferentes compreensões do fenômeno das drogas. Por outro lado, quem recebe o cuidado é influenciado pelos arranjos de controle moral, biomédico e social ofertados pela política de atenção a usuários de drogas. Interessada nestes arranjos, meu objetivo é refletir como os usuários de drogas percebem o cuidado recebido nos Centros de Atenção Psicossocial Álcool e outras Drogas. A partir de entrevistas com pessoas atendidas em CAPS AD no Distrito Federal, caracterizo as narrativas, perspectivas e entendimentos sobre um “bom cuidado” recebido nessas instituições, com o principal
objetivo de diminuir o sofrimento e recuperar o sentimento de pertença social. Percorrendo um caminho para chegar nessas histórias, apresento um panorama da “questão das drogas” no mundo, especialmente no Brasil, descrevendo a operação do “controle legal”, com o proibicionismo e o encarceramento em massa, que atinge, sobretudo, grupos como jovens, negros e com baixa escolaridade. Ao lado da esfera jurídica, destaco a existência do “controle biomédico”, porta-voz da produção de uma “saúde perfeita” e colaborador para a exclusão social. Em seguida, realizo uma revisão dos principais marcos da política de atenção a usuários de drogas no Brasil, mostrando as ferramentas centrais da ciência do cuidado, norteadas pela compreensão da possibilidade de múltiplas experiências com a droga. É fundamental assumir que, no Brasil, este é um campo de constante disputa e divergências epistemológicas e práticas. Esse aspecto culmina no próprio entendimento que os usuários de drogas constroem sobre si, a substância e seu meio social. Com isso, busco discorrer como o sofrimento é percebido no contexto do uso de drogas e quais as formas definidas para trazer qualidade de vida e sentimento de pertença para pessoas estruturalmente estigmatizadas pela sociedade. Na prática, o que seria um “bom cuidado”? Orientada pelos trabalhos de Annemarie Mol (2008) e de Jeannette Pols (2006), analiso a importância da cidadania, comunicação e relacionamentos para o tratamento nos CAPS AD, pela ótica de quem é atendido no serviço. As histórias narradas mostram que a promoção da saúde e da dignidade social opera com o desafio de respeitar a autonomia do paciente. Dessa forma, o “bom cuidado” valoriza as especificidades de cada trajetória e, por isso, é uma prática de constantes experimentações e ajustes