Avaliação Nacional dos Estudantes da Área da Saúde na Perspectiva da Educação Interprofissional
Avaliação nacional do estudante da educação superior; Instrumentos de avaliação; Enade; Formação em saúde; Educação Interprofissional
Introdução: A avaliação do estudante no âmbito do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES) desempenha um papel formativo e orientador das práticas educacionais. Na área da saúde, a formação é compartilhada entre os setores da educação e da saúde, sendo fundamentada nas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) específicas de cada curso, as quais estão alinhadas aos princípios do Sistema Único de Saúde (SUS). As DCN estabelecem o perfil do egresso, contemplando competências gerais e específicas que orientam a atuação colaborativa e interprofissional dos profissionais, com ênfase no trabalho em equipe e na articulação com os princípios do SUS. A avaliação nacional do estudante é realizada por meio do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade), cujos instrumentos incluem a prova de desempenho acadêmico e o questionário do estudante. No entanto, a avaliação prioriza conhecimentos técnico-científicos e não contempla diretamente as competências colaborativas interprofissionais. Dessa forma, torna-se necessário investigar as dimensões avaliativas do exame, analisando a presença de aspectos da Educação Interprofissional (EIP) em seus instrumentos. A incorporação de competências colaborativas na avaliação nacional do estudante promoveria maior alinhamento com as DCN, fortalecendo a prática interprofissional e induzindo transformações no modelo fragmentado de formação em saúde para um modelo integrado e convergente com os princípios do SUS. O objetivo geral desta tese é investigar a formação de estudantes da área da saúde à luz das DCN e da EIP, considerando a avaliação nacional do estudante do SINAES e um relato de experiência. Materiais e Métodos: Esta tese adota um delineamento de método misto convergente, estruturado em três etapas: quantitativa documental, qualitativa documental e qualitativa experiencial. Na etapa quantitativa, foram investigadas as provas do Enade de oito cursos da área da saúde (Biomedicina, Enfermagem, Farmácia, Fisioterapia, Fonoaudiologia, Medicina, Nutrição e Odontologia). Para a análise, foram selecionados itens que, conforme a matriz de prova, indicavam aspectos relacionados às competências colaborativas. No total, foram analisados 106 itens das edições de 2016 e 2019 do Enade. Posteriormente, realizou-se uma análise temática desses itens a partir dos pressupostos da EIP. Além disso, foi conduzido um estudo exploratório de 720 itens das provas de três edições do Enade (2013, 2016 e 2019) utilizando o software IraMuTeQ. Aplicaram-se as técnicas de Classificação Hierárquica Descendente (CHD) e Análise Fatorial por Correspondência (AFC) para caracterizar e categorizar as relações entre os cursos por meio da análise textual. Na etapa qualitativa documental, foram analisados o questionário do estudante e os microdados do Enade de 2019 dos oito cursos de graduação em saúde. Foram selecionadas variáveis socioeconômicas e os 42 itens do questionário de percepção referentes à ‘Organização didático-pedagógica; Infraestrutura e instalações físicas; Oportunidades de ampliação da formação acadêmica e profissional’. A análise descritiva e exploratória dos dados quantitativos foi conduzida no software RStudio. As variáveis socioeconômicas foram utilizadas para a caracterização do perfil dos estudantes. Com as variáveis da escala de percepção, realizou-se uma Análise Fatorial Exploratória (AFE) para investigar a estrutura e reduzir a dimensionalidade do questionário. A partir da AFE, selecionou-se um fator, sobre o qual foi calculado o escore para cada curso e aplicado o teste de Kruskal-Wallis para comparação entre os cursos. Na etapa qualitativa experiencial, foi investigada uma disciplina com proposta de EIP em uma universidade pública, abrangendo cinco cursos da área da saúde (Enfermagem, Farmácia, Fisioterapia, Terapia Ocupacional e Saúde Coletiva). Os dados foram coletados por meio de um formulário online aplicado a 48 discentes, entrevistas em profundidade com sete docentes e observação direta das atividades da disciplina. Os instrumentos de coleta e análise seguiram os referenciais da EIP. As entrevistas foram conduzidas com base em um roteiro semiestruturado elaborado para o contexto específico da disciplina. Para a análise das respostas ao formulário, utilizou-se o software IraMuTeQ e a técnica de Análise de Similitude. Após a transcrição das entrevistas, foi realizada a análise temática. Foram identificados elementos da abordagem pedagógica da Aprendizagem Baseada em Projetos (ABP) e da Pedagogia Crítica, que orientam as práticas desenvolvidas na disciplina. Os temas abordados possuem caráter transversal, promovendo a integração dos estudantes por meio da criação de artefatos criativos e expressões artísticas, como artes visuais, poesia e teatro. Esses produtos são elaborados a partir das experiências dos estudantes e representam aspectos culturais específicos, como no caso do dicionário de saúde popular, que traduz termos biomédicos para uma linguagem acessível, e de produções midiáticas, voltadas à disseminação de conteúdos informativos e educativos sobre saúde em plataformas digitais. As competências colaborativas desenvolvidas na disciplina refletem uma perspectiva crítica e reflexiva sobre as práticas em saúde, favorecendo a formação de profissionais qualificados para atuar em contextos interprofissionais e socioculturalmente diversos. Resultados: A análise do questionário do estudante permitiu traçar o perfil dos egressos dos cursos da área da saúde, evidenciando diferenças socioeconômicas. A análise exploratória do questionário de percepção, realizada por meio de técnicas de AFE, possibilitou o agrupamento de itens que integraram o fator denominado "Desenvolvimento Profissional". A comparação dos escores desse fator entre os oito cursos, utilizando o teste de Kruskal-Wallis, evidenciou tanto semelhanças quanto diferenças entre eles. Os cursos de Farmácia e Biomedicina apresentaram escores semelhantes, enquanto os estudantes de Fisioterapia apresentaram maior concordância com o fator analisado, enquanto os de Medicina exibiram os menores níveis de concordância. A análise das provas do Enade indicou que, embora as matrizes de prova de 2016 e 2019 incluíssem aspectos relacionados à colaboração interprofissional, poucos itens abordam diretamente essas competências. A análise textual realizada no software IraMuTeQ, por meio da CHD, identificou três classes temáticas: ‘Aspectos clínicos’, que incluíram os cursos de Fisioterapia, Medicina e Odontologia; ‘Aspectos de contexto’, os cursos de Enfermagem e Fonoaudiologia; e ‘Aspectos laboratoriais’, os cursos de Biomedicina, Farmácia e Nutrição. A Análise Fatorial por Correspondência destacou os termos mais frequentemente associados a cada curso, bem como as interseções entre os saberes específicos e compartilhados. A categorização das classes possibilitou uma compreensão mais detalhada dos padrões de associação entre palavras e cursos analisados, evidenciando conexões que potencializam a prática colaborativa. Na etapa qualitativa experiencial, os dados foram analisados considerando os métodos pedagógicos adotados, as temáticas presentes na disciplina e o desenvolvimento de competências colaborativas e de projetos ético-estético-político em saúde. Foram identificados elementos da abordagem pedagógica da Aprendizagem Baseada em Projetos (ABP) e da Pedagogia Crítica, que orientam as práticas desenvolvidas na disciplina. Os temas abordados possuem caráter transversal, promovendo a integração dos estudantes por meio da criação de artefatos criativos e expressões artísticas, como artes visuais, poesia e teatro. Esses produtos são elaborados a partir das experiências dos estudantes e representam aspectos culturais específicos, como exemplo do dicionário de saúde popular, que traduz termos biomédicos para uma linguagem acessível; e de produções midiáticas, voltadas à disseminação de conteúdos informativos e educativos sobre saúde em plataformas digitais. As competências colaborativas desenvolvidas na disciplina refletem uma perspectiva crítica e reflexiva sobre as práticas em saúde, favorecendo a formação de profissionais qualificados a atuar em contextos interprofissionais e socioculturalmente diversos. Conclusões: Os resultados desta pesquisa contribuem para o debate sobre a inclusão de dimensões da EIP na avaliação educacional, destacando a formação em saúde alinhada às demandas interprofissionais e às necessidades do SUS. A ampliação das dimensões avaliativas e a incorporação de competências colaborativas interprofissionais na avaliação nacional dos estudantes podem induzir melhorias na qualificação da formação em saúde, promovendo um modelo educativo alinhado aos pressupostos da EIP, aos princípios do SUS e às DCN da área da saúde. Dessa forma, a avaliação pode atuar como um instrumento indutor de mudanças curriculares, favorecendo práticas pedagógicas que incentivem a colaboração entre diferentes profissões da saúde. Essa proposta promoveria a formação colaborativa e integrada dos estudantes, contribuindo para implementação da EIP nos cursos de graduação da área da saúde.