“POR UMA ÉTICA DO MORAR: CARTOGRAFIAS DO HOUSING FIRST AO MORADIA PRIMEIRO NA ANTROPOFAGIA BRASILEIRA”.
Moradia Primeiro; Álcool e outras drogas; Pessoa em situação de rua; Redução de Danos;
O presente trabalho propõe discutir as influências do modelo internacional Housing First para o cuidado das pessoas em situação de rua e com transtornos mentais ou prejuízos decorrentes do uso de álcool e outras drogas, para as políticas públicas brasileiras. Inicialmente, foi realizado o mapeamento dos projetos e programas nacionais que já foram executados e/ou estão em andamento, que tiveram inspiração no modelo internacional. O objetivo deste trabalho foi conhecer as experiências brasileiras à luz do aporte técnico-teórico do Housing First para, então, pensar como se deram os efeitos dessas iniciativas nos territórios, a partir das noções de cuidado e moradia. Entre dezembro de 2021 e julho de 2023, foram realizadas entrevistas on-line, mediadas pelas tecnologias digitais de informação e comunicação, dado o contexto de pandemia, com 17 interlocutoras, gestoras, trabalhadoras e beneficiárias, que fazem ou fizeram parte dos projetos e programas mapeados, distribuídos nas cinco regiões do Brasil. As entrevistas tiveram duração média de uma hora, e foram norteadas por tópicos temáticos para fazer emergir as experiências singulares das participantes. A partir da metodologia de orientação cartográfica, essa pesquisa buscou acompanhar as experiências narradas pelas interlocutoras e os efeitos produzidos nos territórios. É a partir desses encontros com as interlocutoras e experiências, que a pesquisa problematiza e acompanha as modulações adquiridas a partir da prática concreta com o Housing First no Brasil, identificando as variações do modelo para pensá-lo, menos como um conjunto de regras a seguir, e mais como um conjunto de Princípios, Diretrizes e Ferramentas Técnicas contingenciais do Moradia Primeiro, um dispositivo construído a partir do movimento antropofágico brasileiro. Neste percurso antropofágico que inaugura o dispositivo Moradia Primeiro, identificou-se as formas de reinvenção das práticas de cuidado às pessoas em situação de rua, que buscam romper com as abordagens tradicionais, fabricadas na lógica punitivista e disciplinar, organizando modos de cuidar ancoradas nos serviços intersetoriais. Essa tese, ao acompanhar tais modulações, evidenciou as tensões, os desafios, as invenções e os arranjos dos atores nos territórios. Se, por um lado, foi possível identificar a potência emergente das iniciativas mapeadas, por outro lado observou-se as capturas de práticas e discursos que reproduzem lógicas neoliberais e higienistas, reduzindo a multiplicidade dos modos de viver em uma monocultura domiciliar, que privatiza e isola as subjetividades, transformando a política pública em uma estratégia de limpeza urbana. Assim, o Moradia Primeiro, antropofagado, modulado, reinventado, está no fio da navalha, operando no limite entre o fechamento e abertura nos modos de cuidar e morar