Práticas parentais, desenvolvimento infantil e a percepção sobre o ambiente de cuidado integral de famílias beneficiárias do Programa Criança Feliz no Distrito Federal: um estudo de coorte
“_Desenvolvimento infantil, Parentalidade, Nurturing Care Framework, programa de visitação domiciliar___”
“_O desenvolvimento na primeira infância (DPI) é influenciado pela qualidade do ambiente em que a criança vive. Situações de vulnerabilidade social e desigualdade socioeconômica estão associadas ao prejuízo do DPI, perpetuando o ciclo intergeracional da pobreza e impedindo o alcance do potencial máximo de desenvolvimento de milhões de crianças. Diante desse cenário, estratégias têm sido implementadas para a promoção do ambiente de atenção integral no qual a criança possa ter acesso ao ambiente estável capaz de oferecer nutrição adequada, serviços de saúde, cuidado responsivo, aprendizado inicial oportuno, segurança e proteção. O Programa Criança Feliz, implementado em mais de 3000 municípios brasileiros no ano de 2016, sendo considerado o maior programa de visitação domiciliar do mundo, foi implementado no Distrito Federal e nomeado como Programa Criança Feliz Brasiliense (PCFB) em 2019. Este programa tem o objetivo de promover o DPI, o exercício da parentalidade positiva e mediar o acesso das famílias às políticas e serviços públicos. Tendo em vista a escassez de evidências relacionadas à situação dos beneficiários do programa, este estudo teve como objetivo investigar as percepções das famílias sobre ambiente de cuidado integral em que vivem, analisar a relação entre o PCFB, a promoção de competências parentais e DPI. Trata-se de um estudo longitudinal, com acompanhamento durante 12 meses de famílias beneficiárias do PCFB. Em um componente qualitativo do estudo (Artigo 1), foram realizadas vinte e duas entrevistas em profundidade com cuidadores responsáveis pelos beneficiários do PCFB, considerando os cincos domínios do Nurturing Care Framework, para avaliar a percepção das famílias com relação ao ambiente de cuidados em que vivem. Para o componente quantitativo, o acompanhamento e a aplicação dos questionários aconteceram em três momentos, na linha de base (tempo 1), 6 meses (tempo 2) e 12 meses (tempo 3) após o início do acompanhamento. No artigo 1, os resultados mostraram que a maioria das famílias se encontrava em situação de vulnerabilidade social. Os cuidadores reconheceram que o PCFB traz benefícios à saúde mental das crianças (saúde), mas que não disponibiliza informações adequadas com relação a alimentação nutricionalmente adequada (nutrição adequada). Durante a análise das falas foi possível perceber a importância do vínculo criado entre os visitadores e cuidadores, sendo este muito importante para a promoção de práticas parentais responsivas (cuidado responsivo). Os cuidadores também reconheceram a importância das atividades, que são propostas durantes as visitas, para estimulação do desenvolvimento das crianças (oportunidades de aprendizado oportuno) e reconheceram que a disponibilização de informações sobre serviços e programas sociais e os encaminhamentos facilitam o acesso a esses programas (proteção e segurança). Por outro lado, algumas barreiras na implementação do programa e a situação de vulnerabilidade social das famílias podem ser fatores que as impeçam de usufruir de todos os seus benefícios. Para o componente quantitativo, foram avaliados nos três tempos os dados sobre a situação socioeconômica, o DPI dos beneficiários, as práticas parentais dos cuidadores, e o efeito das doses do PCFB; a saber: (I) tempo de permanência no programa, (II) duração das visitas domiciliares, (III) número de visitas recebidas no último mês e (IV) realização das atividades após a visita. No T1 foram entrevistados 301 cuidadores de beneficiários, no T2 224 e no T3 130 beneficiários. O artigo 2, que apresentou uma análise da linha de base do estudo, realizada por meio da construção de modelos de equações estruturais, mostrou que 45% dos beneficiários apresentavam risco para desenvolvimento abaixo do esperado para idade, e identificou que o desenvolvimento infantil (DI) estava relacionado com a presença de ansiedade materna (β=0.286; p=0.001) e baixa escolaridade (β=0.207; p=0.006). As práticas parentais não responsivas, como a inconsistência parental, foram associadas com a ansiedade materna (β=0.230, p=0.036) e a baixa renda (β=0.392, p<0.001); e o uso de práticas coercitivas se associou a ansiedade materna (β=0.182, p=0.019) e à declaração das mães como chefes de família (β=0.157, p=0.012). A análise longitudinal (Artigo 3), considerando os três tempos do estudo, foi realizada a partir de equações de estimativas generalizadas. As frequências de crianças abaixo das expectativas para a idade com relação ao DI estiveram próximas de 50% nos três tempos (T1: 45,9%; T2: 51,8%; T3: 52,1%; p>0,05). Nas análises estratificadas, houve um aumento médio de 5,61 pontos (IC 95%: 1,65; 9,57, p=0,005) no escore do DI no T3, em relação à linha de base, para as crianças que apresentam duração da visita maior (60 minutos). Os resultados encontrados fortalecem a importância de programas de visitação domiciliar em famílias em vulnerabilidade social, e podem auxiliar no aprimoramento das ações do PCFB. O PCFB se mostrou relevante na promoção do DI quando realizado por meio de visitas domiciliares mais longas, o que pode fortalecer o vínculo e a confiança dos cuidadores nos visitadores e no aprimoramento do ambiente de cuidados oferecidos pelas famílias às crianças.