Entre significação e silenciamento: o ativismo pelo enfrentamento da violência no parto e a mobilização reativa da classe médica no Brasil
violência obstétrica; backlash; governança reprodutiva; seletividade estatal; reprivatização.
Partindo do questionamento sobre a atuação da classe médica nos entraves à construção de uma agenda de combate à violência obstétrica no Brasil, essa pesquisa teve como objetivo analisar as ações da classe médica organizada em oposição ao movimento de humanização ao parto durante o governo Jair Messias Bolsonaro (2019-2022). Utilizando como marco teórico a discussão sobre governança reprodutiva e os estudos sobre “backlash” de gênero, com destaque para a dinâmica relacional entre movimentos e contramovimentos, a disputa sobre o parto e as formas de assistência apareceu como uma disputa pelo Estado, que mobiliza questões sobre pluralidade, participação, cidadania e reconhecimento de demandas por parte de diferentes sujeitos. Ao perceber que parte importante dessa disputa se dá no campo discursivo, onde significação e silenciamento representam a conformação de interesses distintos, utilizo como ferramenta a análise de discurso de ofícios, resoluções, pareceres e despachos de conselhos de medicina publicados entre os anos de 2012 e 2022. Aponto que a estratégia de silenciamento por parte da classe médica a partir de 2019 se dá através de mecanismos de retrocesso democrático, convertendo-se em deslegitimação discursiva, reformulação de políticas públicas ligadas ao parto humanizado e a erosão de mecanismos de inclusão e accountability. Concluo que, ao buscar despolitizar a agenda em prol do parto respeitoso, a classe médica atua para garantir a perpetuação de sua autoridade às custas da autonomia das mulheres gestantes e parturientes. A reprivatização do tema da violência obstétrica se aproxima do que tem sido visto como tendência neoliberal de desresponsabilização estatal e, ao ser operacionalizada durante um governo de extrema-direita, mostra os contornos autoritários da seletividade estatal.