TRANSFORMANDO LIMITES EM POSSIBILIDADES: O BLOQUEIO FEMINISTA ÀS PROPOSTAS CONTRA O ABORTO
A discussão sobre o direito ao aborto vai além da liberdade individual, abarcando questões de justiça, igualdade social e autonomia das mulheres. A criminalização do aborto tem impactos desiguais, afetando principalmente as mulheres de classes sociais mais baixas, negras e residentes em áreas periféricas. Tal criminalização impõe restrições e desigualdades às mulheres, prejudicando sua cidadania e posição social. Apesar de existirem algumas permissões legais para o aborto no Brasil, essas medidas são limitadas e não reconhecem plenamente as mulheres como sujeitas de direitos. Durante a 56ª legislatura – período de análise deste trabalho – percebemos propostas de restrição e até eliminação do acesso ao aborto no país, impulsionadas por atores políticos conservadores e pelo governo Bolsonaro, que tentou diminuir a capacidade do Estado em garantir esse serviço. Mesmo em um contexto desafiador, com estruturas de oportunidades aparentemente fechadas, os movimentos feministas têm resistido e se esforçado para impedir a aprovação de propostas restritivas em relação ao aborto. Essa resistência dos movimentos feministas é o foco central da pesquisa. Desse modo, esta tese tem como objetivo examinar como os movimentos feministas bloquearam propostas restritivas ao aborto, mesmo em um contexto político conservador e hostil. Apresenta ao mesmo tempo um panorama da atuação conservadora no Congresso Nacional a respeito do tema. Para isso, foi realizada uma coleta de proposições relacionadas ao aborto, por meio dos Sistemas de Informação da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. A coleta abrangeu o período de 2003 a dezembro de 2022 e englobou todos os tipos de proposições legislativas. Após uma análise minuciosa, foram selecionadas as proposições diretamente relacionadas à ampliação ou restrição do direito ao aborto. Esses dados foram processados usando o software SPSS para análise estatística descritiva. O foco dado nas proposições antiaborto indicou, os partidos que mais propõem, o perfil dos parlamentares e a situação que essas proposições se encontravam ao final da legislatura. Além disso, foram realizadas entrevistas com organizações e movimentos feministas envolvidos no debate sobre a descriminalização ou legalização do aborto, bem como com assessoras parlamentares e uma técnica do Ministério da Saúde, somando, ao todo, 13 entrevistas. A análise das entrevistas foi realizada com o auxílio do software NVIVO, permitindo a identificação de temas relevantes e a criação de códigos para categorizar os dados qualitativos. Também foram investigados diversos materiais, como relatórios, cartilhas e publicações online de organizações feministas. Com base nas informações coletadas e nas análises realizadas, foram traçadas inferências sobre a atuação dos movimentos feministas no bloqueio das proposições contra o aborto durante o período de estudo. É destacada a adaptação das estratégias dos movimentos sociais de acordo com o contexto político analisado, buscando influência e apoio dentro das estruturas institucionais. A pesquisa mostra como as feministas intensificaram sua interação com o Legislativo, buscando o apoio de parlamentares feministas e realizando ações de bloqueio com sua colaboração. Destaco o surgimento de um novo espaço parlamentar de articulação, a Frente Parlamentar Feminista Antirracista, indicando uma fluidez das fronteiras entre Estado e sociedade nesse caso, com a interação ocorrendo a partir de uma ampliação na rede feminista e na articulação legislativa.