UM MINISTÉRIO DA FAMÍLIA: DA TRANSVERSALIDADE DE GÊNERO À FAMILIARIZAÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS FEDERAIS
igualdade de gênero; reação contra o gênero; familismo;
neoconservadorismo; neoliberalismo; governo Bolsonaro; direitos humanos.
Esta tese analisa o ativismo contra o feminismo e a igualdade de gênero no governo de
Jair Bolsonaro (2019-2022). Investiga-se como esse governo, orientado por uma
racionalidade política neoliberal e neoconservadora, promoveu uma agenda de
familiarização das políticas públicas, baseada no fomento à família tradicional como base
da sociedade e na privatização das responsabilidades pelo desenvolvimento e
sobrevivência dos indivíduos centrada na família. Examina-se, ainda, como essa agenda
se conecta à reação transnacional ao gênero. Constata-se que a governamentalidade que
emerge da união entre aquelas racionalidades está fundada sobre um conceito único e
restrito de família: a tradicional (nuclear, patriarcal, referencialmente branca e
cisheteronormativa), baseada na diferença sexual. Assim sendo, trata-se de um familismo
fundamentado também sobre uma concepção limitadora do feminino, resumido à função
reprodutora e ancorado na divisão sexual convencional do trabalho. A análise empírica
desta pesquisa foi baseada em ampla investigação documental do Ministério da Mulher,
da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH), pasta cuja missão foi transversalizar a
perspectiva da família (tradicional). Através do exame da estrutura, dos atores, do uso do
orçamento e das políticas implementadas, especialmente, pelas suas Secretaria Nacional
de Política para as Mulheres (SNPM) e Secretaria Nacional da Família (SNF),
identificou-se um reenquadramento da concepção de direitos humanos, que deixou de
enfocar os indivíduos para centrar-se na família. No caso das mulheres, entretanto, houve
uma especificidade, elas foram efetivamente mobilizadas pelo MMFDH como um meio
para se alcançar um objetivo: que a família arque privadamente com todas as necessidades
de cuidado. Isso se deu de modo que pudessem ser atribuídas ao Estado apenas a função
de gestão econômica e de (re)produção de uma moralidade tradicional. Tal projeto,
argumenta-se, confrontou valores democráticos basilares, como a igualdade, a
pluralidade, o respeito ao antagonismo político e à liberdade.