O PROCESSO DE FISCALIZAÇÃO SANITÁRIA DE MEDICAMENTOS NO ÂMBITO FEDERAL
Fiscalização Sanitária – Medicamentos - Agência Nacional de Vigilância Sanitária - Condições de Trabalho - Vigilância Sanitária - Trabalho.
Introdução: O consumo de medicamentos fora do padrão, não registrados, contaminados ou falsificados apresenta potencial risco de causar danos à saúde, sendo um problema complexo, com múltiplas dimensões, que afeta a saúde pública em âmbito mundial. A fiscalização é uma atividade intrínseca da vigilância sanitária, representante do Estado Democrático na proteção da saúde da população. Tem por finalidade identificar e apurar infrações sanitárias; aplicar sanções e determinar a retirada do mercado de medicamentos irregulares, ineficazes ou nocivos à saúde humana. O problema de pesquisa foi pautado no pressuposto de que a fiscalização de medicamentos apresenta limitações que restringem o cumprimento de sua finalidade, sendo imprescindível o envolvimento do trabalhador para evidenciar quais mudanças são necessárias ao trabalho de fiscalização. Objetivo: Compreender a dinâmica do processo de fiscalização sanitária de medicamentos no âmbito federal. Metodologia: Trata-se de estudo de caso único, com abordagem qualitativa e compreensiva, fundamentada no referencial teórico da ergologia e no coletivo das práticas discursivas dos profissionais sobre o processo de trabalho. O referencial da ergologia possibilitou a produção do conhecimento sobre a relação entre os saberes e a experiência daqueles que vivenciam as situações reais de fiscalização e estão sempre em debates de normas e de valores, tendo que tomar decisões, fazer escolhas, gerindo as variabilidades do meio, em processos de renormalizações. A produção dos dados foi realizada no período de julho de 2020 a setembro de 2021, por meio da pesquisa documental, observação participante e entrevista semiestruturada. O processo de fiscalização de medicamentos realizado pela Anvisa foi considerado a unidade de análise e os participantes foram profissionais de carreira da agência que trabalham ou já trabalharam na fiscalização de medicamentos, por dois anos ou mais de experiência na atividade. Para a organização e análise dos dados foi utilizado o aplicativo Atlas.Ti 9.1® e desenvolvida a concepção dos mapas ergodialógicos. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da FS/UnB. Resultados e discussão: Os resultados confirmaram os pressupostos da tese, onde o contexto da pandemia da covid-19, o marco regulatório desatualizado, o modelo de atuação, a fragmentação do processo de trabalho e suas condições acarretam entraves à realização da atividade pelo profissional da Anvisa. Embora o processo de trabalho esteja organizado, estruturado e padronizado, a lógica da fiscalização ainda se apresenta legalista, burocrática e disciplinadora, enquadrada no modelo de atuação passivo-reativo. Foi destacado o quanto o marco regulatório está desatualizado e não corresponde ao contexto regulatório exigido pela sociedade, tornando-se, em alguns casos, uma barreira ao processo decisório na Anvisa. Com relação às condições de trabalho, predominaram as fragilidades dos sistemas de informação e a escassez de recursos tecnológicos avançados, que impedem maior racionalidade e agilidade ao processo. O Modelo Lógico construído se mostrou promissor para revisão da fiscalização, podendo impulsionar mudanças, apoiando os profissionais no planejamento, estruturação, execução e avaliação do processo, assim como viabilizar a construção de indicadores para mensuração objetiva dos resultados. Em 15 meses de pandemia, verificou-se aumento do comércio eletrônico e a propaganda irregular de emagrecedores, anabolizantes, tratamento para calvície, estimulantes sexuais, os produtos “ditos naturais” ou com alegações da MTC, dentre outros, geralmente relacionados à imagem corporal ou à experiencia de saúde e bem-estar. Grande parte dos
medicamentos não registrados continuaram circulando na internet, mesmo após decisão do poder federal proibindo e determinando sua
apreensão e inutilização. O trabalho dos profissionais adquire sentido de “enxugar gelo” em função do volume de demandas e dos poucos efeitos da fiscalização no mercado virtual de medicamentos. O estudo mostrou as dramáticas vivenciadas pelos trabalhadores ao fazer a gestão do seu trabalho, os usos de si em busca do alcance das metas, em meio às mudanças do ambiente de trabalho, aceleradas em virtude da pandemia de covid-19. Considerações Finais: A conformação de novo modo de fazer fiscalização envolve a combinação de intervenções, direcionadas à prevenção, detecção e resposta às irregularidades e às práticas ilegais de medicamentos. O movimento constante de transformação parte do trabalho real e deve ultrapassar a função restrita de controle e punição, para se constituir num novo modelo (ou vários modelos) de atuação proativo, dinâmico, baseado na gestão do risco sanitário, com desenvolvimento de novas práticas e novos saberes adaptáveis às várias situações. As mudanças na fiscalização de medicamentos passam necessariamente pelo trabalhador e implicam em agilidade, proatividade, flexibilidade, justiça, integração, racionalidade, podendo se expressar na diversidade dos tipos de trabalho de vigilância sanitária, como “trabalho educativo; “trabalho baseado na gestão de riscos”; “trabalho proativo” e “trabalho efetivo”.