CAUSAS DE MORTE EM OURIÇOS-CACHEIROS (Coendou prehensilis) DE VIDA LIVRE NO DISTRITO FEDERAL: DIAGNÓSTICO E IMPLICAÇÕES
roedores arbóreos, One Health, poxvirus, dermatopatologia, traumatologia
Os estudos retrospectivos permitem a análise de grandes conjuntos de dados já existentes para identificar padrões de doenças e desfechos clínicos. No contexto One Health, essa abordagem possibilita a investigação de enfermidades que afetam tanto animais quanto humanos, auxiliando na detecção precoce, no rastreamento de surtos e na compreensão de fatores ambientais que influenciam a disseminação de patógenos Dessa forma, o objetivo principal deste trabalho é investigar as principais causas de morte que afetam ouriços-cacheiros (Coendou prehensilis) no Brasil Central, com ênfase na infecção pelo Brazilian porcupinepox virus (BPoPV) e nos riscos associados ao spillover de patógenos no Laboratório de Patologia e Perícia Veterinária da Universidade de Brasília (LPPV-UnB) entre janeiro de 2019 e abril de 2024. Foi realizado um estudo retrospectivo das causas de morte nesses animais, afim de caracterizar os aspectos epidemiológicos, patológicos, moleculares e ultraestruturais das doenças diagnosticadas. Durante o período estudado foram analisados 18 ouriços-cacheiros, todos provenientes de vida livre e encontrados mortos ou resgatados em áreas urbanas e periurbanas do Distrito Federal. As causas de morte foram classificadas em duas categorias principais: traumas físicos e doenças infecciosas. A maioria dos óbitos foi decorrente de traumas (66,6%, n=12/18), sendo a predação por canídeos a principal causa (58,3%, n=7/12), seguida por eletrocussão (16,6%, n=2/12), politraumatismo (16,6%, n=2/12) e trauma cranioencefálico (8,3%, n=1/12). Já as doenças infecciosas corresponderam a 33,3% (n=6/18) dos casos, sendo todas atribuídas à infecção pelo BPoPV. Os achados macroscópicos nos casos de BPoPV incluíram lesões ulceradas crostosas localizadas principalmente na região perinasal, pálpebras, extremidades dos membros e região perianal, com espessamento cutâneo e edema acentuado. Microscopicamente, as lesões apresentavam hiperplasia epidérmica severa, hiperqueratose paraqueratótica, degeneração balonosa dos queratinócitos e infiltrado inflamatório supurativo, além da presença de inclusões virais intracitoplasmáticas eosinofílicas características. A análise morfométrica da pele revelou um espessamento epidérmico médio de 321,4 ± 45,6 µm na região perianal e 287,9 ± 39,2 µm na região perinasal. A infecção pelo BPoPV foi confirmada por PCR, com amplificação de um fragmento de 231 pb compatível com a família Poxviridae, sendo a sequência obtida depositada no GenBank. A microscopia eletrônica de transmissão revelou partículas virais com morfologia característica de poxvírus no citoplasma dos queratinócitos das lesões cutâneas. O estudo destaca a importância da vigilância sanitária da fauna silvestre, uma vez que o spillover de patógenos entre animais silvestres, domésticos e humanos pode representar um risco à saúde pública. A urbanização crescente favorece o contato entre essas espécies e aumenta o potencial de transmissão de novos agentes infecciosos. Além disso, os resultados reforçam a necessidade de políticas de conservação para reduzir os impactos antrópicos na biodiversidade e mitigar os riscos de doenças emergentes. Por fim, a pesquisa enfatiza a relevância da abordagem One Health, evidenciando que a investigação de doenças na fauna silvestre é fundamental para entender melhor os riscos sanitários e ecológicos associados à perda de habitat e à interação crescente entre humanos e animais silvestres.