Contradições do sofrimento sindical: um estudo de teoria fundamentada construtivista
Novo Sindicalismo; movimento sindical; sindicalista; saúde mental; sofrimento social; Teoria Fundamentada nos Dados; entrevista intensiva.
Enquanto a importância de ações sindicais para o campo da saúde mental relacionada ao trabalho no Brasil é reconhecida, as relações entre trabalho sindical e processos de saúde e adoecimento de sindicalistas são negligenciadas enquanto objeto de investigação. O presente estudo busca explorar essa lacuna, e, nesse sentido, considera o contexto histórico do surgimento do novo sindicalismo e o cenário político e social marcado pela introjeção da racionalidade neoliberal nos trabalhadores, perpetrada por gramáticas sociais e morais que agenciam afetos. Adicionalmente, aborda o contexto cultural vinculado ao estilo de vida militante, que, conforme apontado pela literatura, revela indícios de sofrimento e adoecimento entre dirigentes sindicais, fenômeno denominado nesta dissertação como “sofrimento sindical”. Dessa maneira, tendo em vista a associação entre reestruturações produtivas e transições epidemiológicas, e levando em conta o contexto de múltiplas crises que atravessam o sindicalismo brasileiro, indaga-se: como estão os sindicalistas brasileiros? A partir dessa questão, esta dissertação teve como objetivo geral caracterizar o processo de sofrimento e adoecimento de militantes sindicais. Para alcançar esse objetivo, foi desenvolvida pesquisa qualitativa interpretativa baseada na abordagem da Teoria Fundamentada nos Dados Construtivista. Foram realizadas entrevistas intensivas com 25 lideranças sindicais, e os dados coletados foram submetidos a uma análise comparativa estruturada em quatro ciclos: codificação aberta, focalizada, axial e teórica. O modelo teórico sobre o fenômeno de interesse foi estruturado com base em eixos funcionais que descrevem como e por que o sindicalista experiencia o sofrimento atrelado ao trabalho sindical. Os eixos foram moldados pelas percepções dos militantes acerca do movimento sindical, do perfil do sindicalista, e da forma como a pauta da saúde mental é endereçada na agenda sindical. Identificou-se as contradições presentes no contexto sindical como uma temática transversal. Os resultados indicam um cenário de cansaço, estresse e sofrimento entre os militantes, evidenciado pelos assédios no contexto sindical relatados pelos sindicalistas. Os sindicatos emergem como arenas propícias ao conflito e à violência, em decorrência da dissolução dos laços cooperativos e de solidariedade no movimento. As contradições, por sua vez, evidenciam o lugar ambíguo e ambivalente ocupado pelo movimento sindical: entre os movimentos sociais e a institucionalização, os sindicatos foram caracterizados como organizações burocratizadas e hierarquizadas, que acabam por distanciar o sindicalismo da sua perspectiva contra-hegemônica. Dessa forma, emerge uma contradição central: o esvaziamento político de um movimento inerentemente político. Por fim, os achados oferecem uma visão privilegiada das transformações políticas, sociais e culturais da militância e os impactos na racionalidade dos seus membros e, alinhados à literatura acadêmica, provocam reflexões sobre potenciais indefinições teóricas e dinâmicas negociativas no campo da saúde mental relacionada ao trabalho.