RESPONSABILIDADE E REPARAÇÃO: TESTEMUNHO SOBRE UM CASO DE MORTE MATERNA NA PANDEMIA DE COVID-19 NO BRASIL.
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Esta pesquisa foi realizada com base em um caso de morte materna durante a pandemia de COVID-19 no Brasil. Trata-se de um testemunho sobre a história de Ariane, cujo objetivo é analisar as possibilidades de responsabilização e reparação em seu caso. Testemunho é um ato de fala feminista para um registro de memória transformador, com o objetivo de interpelar os poderes que contribuíram para o desfecho fatal do caso. Para isso, articulo os verbos feministas lembrar e reparar e, a partir dos relatos de familiares, de registros de saúde e parecer técnico, identifiquei que houve atraso em atender os sintomas dela de forma adequada, desconsideração da condição de puérpera, demora em investigar hipóteses diagnósticas e a prescrição de hidroxicloroquina. Ao testemunhar a história dela, entendo que, escavar o direito é imaginar possibilidades que considerem o cenário de morte materna no Brasil durante a pandemia de COVID-19 como, entre outros fatores, reflexo de condições de maternidade no Sul Global, da ausência de centralidade de questões de saúde sexual e reprodutiva, assim como as disparidades de gênero e raça. Interpreto as possíveis violações de direito no caso como manifestações do patriarcado e do racismo na biomedicina, as quais despertam a problematização da categoria jurídica de erro médico. Minha argumentação é construída da seguinte forma: apresento a demanda posta pela família, as considerações éticas e escolhas metodológicas para o caso; discorro sobre o contexto de mortalidade materna no Brasil e aponto para a importância da justiça reprodutiva e da interseccionalidade como lentes que me permitem interrogar os poderes que contribuíram, entre outros fatores, para o desfecho fatal no caso; na sequência, abordo a biomedicina como um saber e um poder que manifestam e articulam o patriarcado e o racismo; por fim, investigo as possibilidades jurídicas a respeito das violações de direitos no caso, com o objetivo de construir respostas que se afastam das interpretações racistas e patriarcais do direito para desafiá-lo a partir das noções desenvolvidas nos capítulos anteriores. Concluo pela necessidade de leituras das categorias jurídicas a partir da realidade das populações mais afetadas pelas crises sanitárias, através das lentes proporcionadas por testemunhos transformadores das interpretações racistas e patriarcais do direito.