"EXTENSÃO DA ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE COISA IMÓVEL E SUA COMPATIBILIDADE COM AS BASES DOGMÁTICAS DO DIREITO CIVIL BRASILEIRO".
Alienação fiduciária; Garantia; Direito Civil.
A alienação fiduciária é garantia amplamente utilizada no ordenamento jurídico brasileiro. Trata-se de instituto tipicamente brasileiro, cujas raízes foram inspiradas em elementos da fidúcia e do trust. A garantia foi implementada no Brasil em 1965, restrita aos bens móveis e, mais de 30 anos depois, foi aprimorada, estendendose aos bens imóveis. Representa uma propriedade-garantia, e sua essência é caracterizada pela discrepância entre o fim, visado pelas partes, e o meio, empregado para alcançá-lo. Por ser operacionalizada via transferência de direito de propriedade, consequências — resultantes de aspectos atrelados à figura do proprietário — podem ser indesejáveis a um simples credor. Tais aspectos perduram enquanto durar a garantia. Em 2020, a Medida Provisória n. 992/2020 possibilitou que um único imóvel fosse oferecido em garantia de mais de uma dívida, configurando o fenômeno que foi intitulado “compartilhamento da alienação fiduciária”. Essa Medida Provisória caducou no mesmo ano, e não se editou qualquer decreto legislativo para regulamentar os negócios jurídicos pactuados no interregno. Em 2021, o Projeto de Lei nº 4.188/2021 propôs esse compartilhamento, o qual tecnicamente chamou de “extensão da alienação fiduciária”. Esse tipo de garantia extensiva já havia vigorado no Brasil e, com o referido Projeto de Lei, pode vir a ser novamente. Entretanto, faz-se necessário analisar se, dogmaticamente, a extensão da alienação fiduciária em garantia é compatível com o Direito Civil brasileiro, tendo em vista não se transformar uma garantia de constituição simples, segura, célere e eficaz em um modelo que pode ser incompatível com a estrutura da alienação fiduciária. Com base na natureza e na dogmática da propriedade fiduciária, o objetivo geral deste trabalho é analisar a compatibilidade das mudanças decorrentes da extensão da alienação fiduciária em garantia com as bases dogmáticas do Direito Civil. Para tanto, especificamente, o estudo visa: identificar os fundamentos conceituais e a estruturais do instituto da alienação fiduciária; verificar de que forma eles são caracterizados na atual legislação que a regulamenta e nos textos da Medida Provisória n. 992/2020 e na proposta do Projeto de Lei n. 4.188/2021. A conclusão foi de que a adoção da extensão da alienação fiduciária, como proposto, vai de encontro às bases dogmáticas do Direito Civil, podendo acarretar perda de características basilares do instituto da alienação fiduciária em garantia.