A CIDADANIA ENTRE PARADOXOS E DÁDIVAS: uma etnografia da administração de conflitos pelo Ministério Público Federal envolvendo demandas coletivas de comunidades tradicionais no Distrito Federal.
cidadania; Ministério Público; comunidades tradicionais; tutela coletiva; dádiva
A pesquisa descreve processos de administração de conflitos envolvendo comunidades tradicionais no âmbito de procedimentos administrativos e inquéritos civis conduzidos pela Procuradoria da República no Distrito Federal (PRDF). Refletindo sobre a efetivação de direitos de cidadania no Brasil, com foco em demandas de indígenas e ciganos, proponho uma investigação do tema a partir da antropologia do direito, área de estudo cuja perspectiva permite tratar teoricamente a temática da efetivação de direitos de forma densa. Da abordagem antropológica da pesquisa, decorre a investigação das representações simbólicas da vida social, da dimensão do vivido e do que é considerado adequado, correto ou justo para os envolvidos - daí a imprescindibilidade do trabalho de campo. Partindo do quanto já produzido pela antropologia do direito no Brasil sobre direitos de cidadania (perpassando principalmente pelas categorias de exclusão discursiva, hipossuficiência, tutela e arbitrariedade de práticas estatais), e de reflexões sobre as x 2 demandas das populações tradicionais na atualidade, examino a atuação do MPF a partir de dois casos que tramitam na PRDF, no âmbito da tutela coletiva, categoria nativa que designa a atuação do órgão referente a direitos coletivos. Um acompanha uma ação judicial proposta pelo MPF, por meio da qual uma área, o Santuário Sagrado dos Pajés, em Brasília/DF, foi reconhecida como terra indígena; e o outro acompanha a repercussão para os direitos de uma comunidade cigana no DF do aprisionamento tido por indevido de sua liderança. A análise da participação do MPF nos casos joga luz na característica tutelar da atuação do Ministério Público, que age amparado tanto na ideia de hipossuficiência, que fundamenta a função institucional do órgão, como também, paradoxalmente, no discurso de respeito ao ponto de vista dos envolvidos, sendo tal atuação tensionada pelo protagonismo das comunidades. Tal dinâmica, pautada pela dissintonia entre o discurso e a prática institucional do MPF, resulta em processos de exclusão e inclusão discursiva das comunidades tradicionais ao longo do processo de administração do conflito. Os achados do campo indicam, ainda, a possibilidade de análise dos processos de administração de conflitos pela perspectiva maussiana da dádiva, em contraposição a uma perspectiva utilitarista. A perspectiva da dádiva evidencia bem o que está em jogo nos procedimentos, que envolvem demandas de interesse material, mas também, e fortemente, demandas de reconhecimento. Sugere-se, assim, uma análise da efetivação de direitos pela perspectiva da dádiva, a qual, sem ignorar a importância de prestações materiais, possibilita compreender com maior densidade o que se dá nos processos de administração de conflitos, cuja finalidade é a efetivação de direitos.