"Arrancaram ela de mim: Responsabilidade e reparação por uma morte materna ocorrida na pandemia da COVID-19 no Brasil".
Morte materna. COVID-19. Testemunho. Responsabilidade do Estado. Feminicídio.
Este trabalho foi realizado a partir de um caso de morte materna ocorrido durante a pandemia da COVID-19 no Brasil. O objetivo é analisar formas de reparação e responsabilização pela morte de Viviane Albuquerque Lucena de Melo, mulher puérpera cuja vida foi tomada na pandemia. A partir do assombro pelo vivido e da demanda da família por reparação, uso minha posição de pesquisadora e advogada para desenvolver o reparar sob duas perspectivas: a reparação através do testemunho, ao contar a experiência de Viviane durante a pandemia, e a reparação pelo litígio jurídico, ao desenvolver fundamentos que possam embasar possíveis ação judiciais de responsabilização. Trabalho a ideia foucauldiana de revanche para propor formas de reparação que signifiquem um voltar-se contra o poder que fez Viviane desaparecer. Minha argumentação é construída em três capítulos: no primeiro, falo da minha aproximação com o caso e da importância de contar a história da morte de Viviane. Desenvolvo a ideia de revanche e exponho as formas de reparação por mim pensadas: a reparação através do testemunho e a reparação através da proposta de litígio jurídico. Faço as considerações éticas e metodológicas para o caso e discorro sobre os arquivos sob os quais me debrucei para contar a experiência de Viviane, e a escolha em tratá-la pelo seu nome verdadeiro como uma forma de tirá-la da invisibilidade. No segundo, retrato o tempo vivido à época da morte de Viviane. Trago o cenário da mortalidade materna no Brasil antes da pandemia, analiso o que poderia ter sido feito para salvar da morte pessoas grávidas e gestantes com base em documentos e pesquisas nacionais e internacionais e relato o que fizeram com estas mulheres, ou quais as decisões tomadas pelo Estado brasileiro para enfrentar a pandemia e a alta mortalidade materna. No terceiro e último capítulo, ingresso na argumentação jurídica para construir bases que possam fundamentar possíveis litígios nos tribunais internacionais ou nacionais. Justifico a escolha em responsabilizar o Estado brasileiro e seu então representante, Jair Bolsonaro, pela morte de Viviane, e abordo três possibilidades de reparação judicial: a responsabilização internacional, a responsabilização civil estatal, e a responsabilização criminal de Jair Bolsonaro. Trabalho a ideia de que as condutas do então presidente da República significaram a adoção de uma política letal no gerenciamento da pandemia chamada por mim de ordem de matança. Como consequência, argumento a possibilidade de tratar as ações de Jair Bolsonaro como homicídios e feminicídios de mulheres grávidas e puérperas. Concluo que o Estado brasileiro, responsável por zelar pela vida e saúde de Viviane, ao adotar condutas que contrariavam as melhores evidências disponíveis à época, agiu para matá-la, ou, ao menos, deixá-la morrer, e interpelá-lo judicialmente, mesmo que não garanta uma vitória, pode obrigá-lo a encarar o que fez com Viviane e a testemunhar sua história.