"LITÍGIO ESTRATÉGICO FEMINISTA PELO DIREITO AO ABORTO LEGAL: ENQUADRAMENTOS DISCURSIVOS EM DEBATE NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL".
supremo tribunal federal; litígio estratégico; processos de enquadramento; aborto; feminismos.
O objetivo desta dissertação é oferecer uma análise empírica dos enquadramentos pelo direito ao aborto apresentados ao Supremo Tribunal Federal por organizações e indivíduos da sociedade civil. Quatro casos constitucionais são analisados: a ADPF 442, as ADPFs 737 e 989 e a ADI 5581, que discutem, respectivamente, a descriminalização do aborto no primeiro trimestre, a garantia do aborto nas hipóteses previstas em lei e a permissão do aborto para mulhe-res diagnosticadas com o vírus zika. À luz do conceito de “cultura constitucional”, proposto por Reva Siegel, e da arquitetura conceitual dos processos de enquadramento proposta pela teoria dos movimentos sociais, essa pesquisa é centrada nas dimensões culturais do processo de mudança constitucional. Na busca pela mudança constitucional, agentes da sociedade civil enfrentam o desafio de dialogar com práticas, discursos e valores compartilhados por autoridades e pela sociedade. Trata-se de um diálogo importante para que o problema social em questão, como a capacidade das mulheres de controlarem seus corpos, seja visto como uma injustiça. O processo de enquadrar uma questão constitucional é complexo e contencioso, especialmente quando envolve a presença de um forte contramovimento, como o movimento anti-escolha. Para conquistar a audiência, os grupos pró- escolha consideram as objeções apresentadas pelos adversários, como preocupações morais em torno do feto ou dos papeis sociais das mulheres e, mais recentemente, acusações de que o aborto colocaria em risco a vida e a saúde das mulheres. A análise conclui que as estratégias de enquadramento do atual debate constitucional sobre o aborto tem origem em uma diversa rede feminista construída ao longo de décadas, no diálogo com oportunidades jurídicas e políticas e nas intersecções entre os discursos de saúde (com especial atenção aos determinantes sociais), direitos humanos e ciência. Para responder às preocupações colocadas pelo movimento anti-escolha, os movimentos pró-escolha, embora reforçando em muitos momentos valores como família e maternidade, desconstroem preconceitos morais em torno das mulheres que optam por um aborto e propõem políticas públicas integrais que permitem que o aborto seja uma decisão livre e verdadeiramente autônoma. O lado pró-escolha contribui para democratizar os discursos de atores religiosos, apresentando interpretações teológicas mais igualitárias e enquadrando o aborto como uma escolha ética razoável. Por fim, este trabalho considera que o enquadramento da justiça reprodutiva é a melhor forma de agregar os discursos pró-escolha apresentados à corte e sinaliza para a importância de que as duas ações atualmente em curso (ADPFs 442 e 989) sejam pensadas em conjunto. Justiça reprodutiva proporciona uma análise que mantém a centralidade na autonomia das mulheres ao mesmo tempo em que demanda obrigações positivas por parte do Estado em termos de saúde pública e eliminação de desigualdades de raça, gênero e classe.