Desatando nós, desatando-nos: o fim de relações afetivo-sexuais violentas de mulheres com renda própria e ensino superior
histórias de vida; Lei Maria da Penha; interseccionalidade; relações abusivas; mulheres com renda própria e ensino superior.
Esta pesquisa dedicou-se a compreender, por meio das histórias de vida de seis
mulheres cisgênero com renda própria e ensino superior, os processos de ruptura de suas findas
relações afetivo-sexuais heterossexuais violentas. O enfoque deu-se nas formas de violências
vivenciadas pelas interlocutoras, nas trajetórias percorridas para saírem desses contextos e em como
lidaram com seus efeitos. Para melhor compreender suas realidades, foram realizadas entrevistas
com mulheres entre 32 e 36 anos (faixa etária que teve como intenção abarcar o fato de terem
passado a adolescência e o início da fase adulta em meio à disseminação da Lei Maria da Penha na
sociedade), tendo duas delas se autodeclarado brancas, uma indígena, uma parda, uma preta e uma preta/indígena; três com filha/o e duas residentes em zonas rurais. A abordagem teórica feminista interseccional auxiliou na compreensão de que a violência ocorre em cenários complexos e
múltiplos, que precisam ser compreendidos para além do senso comum, ou seja, das histórias únicas a respeito do tema, que tendem a culpabilizar as vítimas ou considerá-las ignorantes e passivas diante da violência. Qualquer mulher está sujeita a sofrer violência em seus relacionamentos afetivo- sexuais, inclusive aquelas que têm ensino superior e renda própria. A violência psicológica, a exploração do trabalho reprodutivo, assim como a exploração financeira/patrimonial e intelectual estiveram presentes no centro dos relatos das interlocutoras e, perifericamente, outras formas de violência. As narrativas das interlocutoras foram diversas mas, ao mesmo tempo, apresentaram em comum o ataque à autoestima delas e às suas possibilidades de autodeterminação, lhes prejudicando em suas vidas, nas relações consigo mesmas, nas suas carreiras profissionais e acadêmicas.
Particularmente, as formas de exploração a que estavam submetidas tiveram um impacto muito negativo nas suas carreiras, na medida em que as fizeram trabalhar muito mais no espaço doméstico,com alto dispêndio de tempo, dinheiro e desgaste emocional. Suas estratégias de ruptura foramdiversas, mas todas passaram por um processo que não foi simples e nem linear, de revisão intensa sobre o lugar dos relacionamentos íntimos em suas vidas, uma reestruturação de si, seus projetos e suas esferas afetivas. Processo este favorecido pela inserção delas em redes sociais e de apoio e, também, pelo início do entendimento de que a violência não é exercida apenas fisicamente, com mulheres dependentes financeiramente, sem estudos e sem condições de desenvolvimento
profissional/intelectual, o que já é preconizado pela Lei Maria da Penha.