FAZENDO A CIÊNCIA NÃO-FEITA: a produção de contra-expertises diante da mineração de urânio em Caetité (BA)
conflitos ambientais; contra-expertise; ciência não-feita; mineração deurânio
Resumo em português: Este trabalho busca compreender, a partir dos Estudos Sociais da Ciência e Tecnologia, as dimensões epistêmicas do conflito ambiental relativo à mineração e ao beneficiamento de urânio realizado pelas Indústrias Nucleares do Brasil em Caetité (BA). Desde que foram iniciadas, em 1999, essas atividades são objeto de debates, já que estariam associadas a um quadro de adoecimento por câncer por parte da população local e a possíveis contaminações ambientais. Pretendemos analisar a relação entre dois regimes de conhecimentos que perpassam essa questão: de um lado, a perspectiva científica especializada, presente principalmente nos posicionamentos do corpo técnico da INB e dos órgãos de fiscalização; de outro lado, os conhecimentos alternativos produzidos por atingidos e movimentos sociais da região em parceria com cientistas independentes. Nossos resultados indicam que a ciência da INB opera de duas formas: a primeira é associada a uma postura pretensamente neutra e tecnocrática, que trata como naturais as contaminações ambientais e tenta abafar suspeitas e controvérsias vindas da população local; a segunda, típica de uma “ciência não-feita”, é atrelada à produção ativa de uma condição de ignorância que distancia os caetiteenses de informações que os ajudariam a compreender melhor os riscos a que estão submetidos. Em contrapartida, os atingidos e movimentos sociais indicam uma relação direta entre a mineração e as contaminações. Nesse caso, percebemos iniciativas de “contra-expertise” por parte dos ativistas, as quais operariam de forma a produzir, junto a especialistas independentes, novas evidências e a fomentar debates sobre questões negligenciadas, preenchendo as lacunas deixadas por uma “ciência não-feita”. A partir de nossos dados, propomos uma síntese teórico-conceitual referente aos diversos tipos de expertise, que variam conforme os espaços em que são produzidas – se em instituições convencionais ou independentes – e o grau de neutralidade ou situacionalidade que reivindicam para si. Argumentamos, inspirados nas epistemologias feministas, que as ciências se tornam mais potentes e adquirem uma “objetividade forte” ao assumirem seu engajamento com pautas de grupos subalternizados. Ressaltamos, assim, a necessidade de que populações atingidas por conflitos ambientais tenham protagonismo não só em processos decisórios, mas também de produção de conhecimento sobre suas situações, de forma a fomentar a democratização da ciência e da tecnologia.