Silêncio Perpétuo? Anistia e Transição Política no Brasil (República Velha e Era Vargas)
Anistia; Transição Política; História do Direito.
A tradição de conciliação via anistia tem prevalecido no Brasil desde os primórdios da nacionalidade e se mostrou ainda mais presente ao longo de todo o período republicano, desempenhando papel importante nas “aberturas”, isto é, nas transições para os regimes de restauração da constitucionalidade democrática. Mas, há muito silêncio sobre como se deu a fixação dessa tradição na rotina institucional e política. As anistias parecem ter conseguido, pelo menos parcialmente, promover um duplo silenciamento: dos crimes abrangidos pelo seu comando de esquecimento e dos próprios fatos e circunstâncias políticas que determinaram as sucessivas edições da medida ao longo da história republicana. No entanto, a concessão da medida nem sempre conseguiu de fato impedir a irrupção de novos surtos de violência política, insurreições e até mesmo de golpes de Estado. Ao contrário, pode ter contribuído para a manutenção desse quadro latente de ruptura institucional. Por outro lado, a promessa de esquecimento dos crimes anistiados também não foi cumprida à risca, como o demonstra a luta por direitos de reparação ou restituição de status civil e militar de muitos grupos de anistiados durante todo o período republicano. A tradição conciliatória, em que as anistias se inserem, por muitas vezes silenciou as vozes dissonantes, as críticas aos abusos e distorções cometidos com o emprego concreto da medida e a sua relação essencial com o “estado de exceção” e com a impunidade dos abusos da repressão, tudo em nome de um uso idealizado e exemplar, em que a anistia é vista como instrumento (mágico) de pacificação pelo silenciamento das disputas passadas. A hipótese aqui aventada é a de que, ao comandar reiterada e sucessivamente o esquecimento de um passado de conflitos políticos e de repressão violenta (os “crimes conexos”), as anistias editadas em momentos de transição de regimes no Brasil acabaram por acomodar e camuflar a presença (ou a ameaça) da exceção e do arbítrio na ordem constitucional ao longo do tempo, naturalizando tanto o recurso à violência para a tomada do poder, quanto a repressão política de exceção aos “inimigos” do Estado. Mas, ao criar restrições, condições e exclusões, de modo a satisfazer interesses políticos dos regimes de força, as anistias de transição entram em contradição com o seu sentido comum, o esquecimento (silêncio perpétuo) e até mesmo a conciliação.