Do phármakon. Ensaios sobre a multivalência
Palavras-chave:
Apresenteteseésustentadaporumtextointrodutório,intituladoAfinação,eumfinal,cujotítuloé
Desmontagem.Entre eles são apresentadostrês ensaios,os dois primeirosseparadosdo último por umIntervalo.
Abre-se o trabalho com aAfinação. Diferente de uma introdução, busca-se algo como uma preparação
instrumental.Preparaçãonecessária,tendoemvistaoobjetivogeraldapesquisa:olevantamentoea
interpretação de discursos da Antiguidade grega – em particular naOdisseiade Homero, emHelenade
Eurípides, e nos diálogos protagonizados pelo Sócrates platônico–que possam funcionar em oposição à
perspectiva da “guerra às drogas”, guerra cujos maiores danos se impõem, no Brasil, mas não só, sobre a
população negra. Afinação, poissetrata de ajustar instrumentos muito diferentes – da poesia e da filosofia gregas
antigas e da práxis antirracista e antiproibicionista contemporâneas – de maneira a soaremjuntosmantendo suas
sonoridades próprias. De modo previsível, dada sua tradução por droga, medicamento ou veneno, a atenção se
volta para o termophármakone seu uso nos textos antigos. No primeiro ensaio,intituladoOdisseu e a
multivalência épica, vê-se, no entanto, que ophármakonnão pode ser analisado sozinho. No ensaio, propõe-se
uma leitura de três episódios daOdisseianos quais há o uso de umphármakon.A partir dessa leitura, centrada
inicialmente nophármakon, percebe-se uma articulação à comida floral dos lotófagos e à relação dexénia,
chegando à proposta segundo a qual, no texto homérico, há a valorização de algo que pode ser chamado de
multivalência – a indefinição,a princípio, de algo; seu caráter aberto, desde o qual, de funcionamentos os mais
variados, dá-se o desenvolvimento de um dentre eles de acordo com a atmosfera na qual tal algo está inserido –,
um atributo, como se verá, conectado aophármakon, mas que o extrapola. No segundo ensaio, cujo título é
Helena e a ambivalência trágica, tem-se como intenção ler, à luz da ambivalência farmacológica, a tragédia
Helena, de Eurípides. Fala-se em ambivalência, pois afirma-se que há algo como uma “redução” do campo
multivalentehoméricoodisseico,paraaqueleambivalentetrágico.Uma redução que implica em uma
intensificação da ambivalência. Processo no qual há, concomitantemente, a diminuição das variáveis próprias à
multivalência a dois polos opostos e algo como uma aproximação entre esses polos, criando uma fronteira,
atravessada e explorada ininterruptamente pela tragédia. Para lidar e problematizar a ambivalência, Eurípides
usa, por um lado, Helena e seueidolon,essa imagem de Helena criada porHera, e, por outro, a relação entre
gregos e bárbaros.OIntervaloé um pequeno texto, algo como uma introduçãoà aparição de Sócrates, o
protagonista de Platão. Que morre executado por umphármakon, e usa e sofre os efeitos de outro, durante
grande parte da vida, ophármakondos discursos.Mas não só isso, pois, dependendo de onde se observa
Sócrates, pode-se ver algo como a coexistência entre o bom, o mau e o indiferente. Toda uma multivalência
própria ao personagem.Se aAfinaçãoera a preparação para se aproximar e lidar com os textos em foco, a
Desmontagemé o afastamento.Tem-se, aí, o momento no qual se fala mais diretamente acerca dos motivos
pelos quais se pode analisar os textos antigos gregos, com os olhos voltados, ao mesmo tempo, para nossa vida.