Geologia da Suíte Gabro-Anortosítica Córrego das Campinas e de rochas metamórficas da porção sul da Faixa Araguaia: relações com o Arco Magmático de Goiás e implicações na evolução geodinâmica da Província Tocantins.
Província Tocantins, Arco Magmático de Goiás, Rodínia, Gondwana, Armadilhas de Calor, Anortosito, Faixa Araguaia, Formação Monte do Carmo, elevados gradientes termais.
A Província Tocantins, localizada na porção central do Brasil, apresenta rochas que estão relacionadas a importantes eventos geotectônicos do Neoproterozoico. A história evolutiva da província é complexa, marcada por eventos acrescionários e de rifteamento que levaram ao amálgama de Gondwana Oeste. Tendo em vista contribuir para o entendimento evolutivo da província, no presente trabalho foram estudadas rochas de dois contextos geológicos distintos, localizados na porção central da província. A partir dos resultados deste estudo, são levantadas novas possibilidades para os processos geodinâmicos que levaram à formação da Província Tocantins. Na primeira área foi estudada a Suíte Gabro-Anotosítica Córrego das Campinas. A suíte está inserida no arcabouço do Arco Magmático de Goiás no contexto da Faixa Brasília. A suíte é constituída por um corpo de anortosito do tipo maciço proterozóico, associado a corpo gabróico de dimensões semelhantes e corpos e lentes menores de tonalito, quartzo monzodiorito, quartzo sienito, albita granito, diques de Fe dioritos e níveis ricos em ilmenita. A interpretação dos dados petrográficos, litoquímicos e de química mineral indica que a formação da suíte está de acordo com o modelo petrológico clássico dos anortositos do tipo maciço, com a segregação de magmas basálticos cálcio-alcalinos, acúmulo de plagioclásio em câmaras magmáticas e sua posterior ascensão diapírica, gerando o anortosito, o corpo gabróico e quartzo sienito, enquanto a cristalização de líquidos residuais gerou as demais rochas. Datações U-Pb em zircão de várias rochas da suíte mostram idade de cristalização variando entre aproximadamente 648 e 661 Ma. A idade da suíte e seu posicionamento indicam correlação com importante evento magmático máfico que ocorreu na Faixa Brasília entre 670 e 600 Ma. A interpretação de dados geológicos da Faixa Brasília, associada ao presente estudo, indica que as rochas da suíte se desenvolveram em ambiente de retro arco de uma margem continental ativa. A presença do anortosito do tipo maciço no contexto da Faixa Brasília reforça a tese de que a evolução da faixa é marcada pela elevação dos gradientes termais, sugerindo que a combinação entre o isolamento do manto provocado por uma “Armadilha de Calor”, associada ao calor proveniente da pluma de quebra de Rodínia, espessamento crustal e formato alongado da placa tectônica foram os principais responsáveis pela elevação dos gradientes termais no contexto de formação da Faixa Brasília. A outra área de estudo, está mais a oeste, na porção sul da Faixa Araguaia. Nessa área ocorrem faixas rochosas de orientação preferencial NE-SW, representadas principalmente por rochas metassedimentares imaturas, associadas a lentes de rochas metamáficas e ortognaisses. Esse arcabouço foi afetado por esforços compressivos que geraram dobras e empurrões e pelo sistema de zonas de cisalhamento dextrais do Lineamento Transbrasiliano. As rochas metassedimentares imaturas apresentam composições similares às de rochas tonalíticas a graníticas, tendo grauvacas e litoarenitos como prováveis protólitos. Estudo de proveniência de zircão detrítico das rochas metassedimentares imaturas indica sedimentação neoproterozoica, com idade máxima de deposição em torno de 600 Ma e participação de fontes mais antigas, mesoproterozoicas a arqueanas. As rochas metamáficas são representadas principalmente por estreitas lentes de anfibolitos, interpretadas como prováveis soleiras e diques. O estudo litoquímico de anfibolitos mostra composições variando entre basalto e andesito, com assinatura tipo OIB e E-MORB, que se desenvolveram em ambiente de arco magmático. Datação U-Pb em zircão de anfibolito fino mostra idade de cristalização de aproximadamente 664 Ma. A associação entre rochas metassedimentares imaturas e lentes metamáficas indica estágio inicial de abertura ou reativação de bacia, em que são comuns enxames de diques e sedimentação proximal de alta energia. A assinatura de arco magmático das rochas metamáficas e paraderivadas, associada às idades neoproterozoicas, indica provável ambiente de bacia de retro arco relacionado à evolução do Arco Magmático de Goiás, entre aproximadamente 660 e 600 Ma. Os pacotes metassedimentares e de rochas metamáficas são correlacionáveis às rochas da Formação Monte do Carmo, indicando o possível prolongamento dessa unidade para a porção sul da Faixa Araguaia. Datação U Pb em zircão de ortognaisses associados aos pacotes metassedimentares indica idade de cristalização de 596±18 Ma e 1.985±12 Ma. A rocha de idade mais nova é correlacionável à Suíte Aliança, enquanto a mais antiga pode ser associada ao Complexo Rio dos Mangues, interpretado como embasamento da Faixa Araguaia. As datações geocronológicas revelaram também duas idades de metamorfismo (~580 Ma e ~540 Ma), indicativas de dois eventos colisionais no contexto da Faixa Araguaia. A partir dos dados levantados, é discutida a possibilidade de que o Arco Magmático de Goiás tenha se desenvolvido também no contexto da Faixa Araguaia. O novo modelo evolutivo explicaria algumas características peculiares da Faixa Araguaia, como a constante presença de rochas metassedimentares textural e mineralogicamente imaturas, evidência de dois picos metamórficos e presença de rochas com assinatura de arco magmático. As áreas de estudo representam dois contextos geológicos distintos de evolução da Província Tocantins, separadas pela Sutura de Porangatu, mas que apresentam rochas de ambientes tectônicos e idades semelhantes. Este fato mostra que a evolução da Província foi complexa e provavelmente marcada por várias frentes acrescionárias do Arco Magmático de Goiás em intervalos similares de tempo. A integração dos dados obtidos no presente estudo e do extenso acervo de dados da Província Tocantins permite estabelecer os compartimentos e eventos geotectônicos da província e elaborar uma possível história evolutiva. Essas interpretações indicam que os eventos geotectônicos que levaram à formação da Província Tocantins são correlacionáveis aos processos que induziram a fragmentação do Rodínia. Neste sentido, sugere-se que a contínua elevação dos gradientes termais na Província Tocantins esteja relacionada ao processo de fragmentação do Rodínia. A condição de elevadas temperaturas determinou a formação de boa parte dos constituintes litológicos da província e muitos processos geodinâmicos de sua evolução dando origem, por exemplo, a adakitos, charnockitos, evento metamórfico de Ultra Alta Temperatura, expressivo magmatismo máfico rico em complexos acamadados e ao anortosito do tipo maciço proterozoico. Corroborando a correlação entre os eventos, vários estudos mostram magmatismo do tipo OIB no contexto de evolução da província, sugerindo a possível atuação de uma pluma em várias ocasiões de sua evolução. Além disso, os processos de rifteamento que ocorreram na província também são temporalmente correlacionáveis aos movimentos divergentes de fragmentação de Rodínia, indicando que a fragmentação de Rodínia teve significativa influência na formação de Gondwana Oeste.