O elefante na casa: Invisibilidade da pornografia no contexto do abuso sexual cometido por adolescentes
adolescente ofensor sexual; pornografia; abuso sexual; família; polivitimização.
: O abuso sexual cometido por adolescentes é um recorte do fenômeno da violência ainda pouco estudado no Brasil, embora ocorra em território nacional e internacional. As pesquisas internacionais estão mais avançadas em mapear os facilitadores do contexto para o cometimento da violência sexual, e os estudos recentes demonstram incluir a pornografia neste cenário. Assim, identificou-se uma lacuna no entendimento do lugar que este elemento ocupa nas relações destes jovens com o desabrochar da sexualidade, e como é a configuração desta participação no circuito da violência. Trata-se de uma situação com muitas camadas de complexidade, envolvendo interações familiares e institucionais, vulnerabilidades sociais, polivitimizações e um assunto ainda considerado tabu em nossa sociedade. Para abranger as interrelações contextuais utilizou-se como referencial teórico a epistemologia novo paradigmática, pelos pressupostos da complexidade, instabilidade e intersubjetividade. Portanto, tendo em vista a lacuna existente, tratou-se de uma pesquisa de caráter exploratório, cujo objetivo geral foi ampliar a compreensão acerca da associação entre o acesso a pornografia e o cometimento de ofensa sexual por adolescentes do gênero masculino. Para isso, adotou-se uma proposta qualitativa multimétodos, por meio da pesquisa-ação e pesquisa documental, cujos resultados foram analisados pelas ferramentas metodológicas da Análise Temática Reflexiva de Braun e Clarke. A pesquisa se deu em uma instituição pública de saúde, em um núcleo especializado no atendimento de violências no ano de 2023. Os participantes foram todos os 13 adolescentes convocados para o primeiro Grupo Multifamiliar (GM), e os 14 adolescentes do segundo GM. Os instrumentos utilizados fazem parte do protocolo de avaliação e ação adotados pela instituição. O primeiro instrumento foi o prontuário individual de cada adolescente participante, preenchido pela equipe na etapa de acolhimento e entrevista familiar. O segundo instrumento foi o GM, que é o método de intervenção multiprofissional com as famílias. As sessões de grupo discutidas neste estudo foram referentes às temáticas “Abuso sexual é um crime” e “Sexualidade”. Após a coleta das informações foi realizada a análise dedutiva dos prontuários, que resultou em três temas abrangentes e quatro subtemas. Esses resultados demonstraram a presença de polivitimizações individuais e familiares, a baixa supervisão parental e falta de pertencimento familiar, revelando o lugar invisibilizado da pornografia na vida destas famílias. Após, aplicou-se a análise indutiva de seis etapas, a fim de complementar as informações fornecidas pelos prontuários. Foram gerados quatro temas e quatro subtemas da sessão “Abuso sexual é um crime”, e quatro temas e três subtemas da sessão “Sexualidade”. Os resultados das sessões indicaram o sofrimento das famílias ao falar sobre sexualidade, a dificuldade em lidar com o tema, a negação como recurso de enfrentamento e o silenciamento do sofrimento dos adolescentes provocado pela masculinidade hegemônica. Dessa forma, esta pesquisa concluiu que a pornografia possui um lugar invisibilizado no contexto do abuso sexual cometido por adolescentes, além de ser um elemento facilitador para o cometimento da violência sexual e um recurso desadaptativo de enfrentamento ao sofrimento. Estes achados contribuem para a ampliação do conhecimento sobre o como a pornografia influencia a violência sexual, possibilitando a elaboração de novas intervenções nos contextos de proteção à criança e ao adolescente. As limitações referem-se ao tipo de pesquisa realizada em contexto de intervenção, no qual há menor possibilidade de escolha e aplicação de outros métodos, além das dificuldades advindas da pandemia do coronavírus, que ocasionou o acúmulo de casos e a sobrecarga física e emocional da equipe multiprofissional.