Resistindo à fome, cozinhando a revolução: percepções de mulheres em uma cozinha solidária no Sol Nascente - Distrito Federal.
Insegurança Alimentar, Movimentos Sociais, Protagonismo feminino, Solidariedade, MTST, Alimentação Adequada e Saudável.
No Brasil, a alimentação se insere em um cenário de intermináveis contradições. Esta é reconhecida como um direito de múltiplas e complexas dimensões, mas é controlada por um sistema alimentar hegemônico (dominado pelo agronegócio e pelas multinacionais alimentícias) e gerida por um Estado que ainda focaliza suas ações em políticas públicas pontuais. Atualmente, 19 milhões de brasileiros experienciam a Insegurança Alimentar e Nutricional (IAN) em sua forma mais grave, a qual se expressa de maneira desigual e urgente através da fome. Nesse panorama, a sociedade civil vem, historicamente, se organizando para combater as injustiças criadas por esse sistema e lutar contra a fome. O Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), com o advento da pandemia de Covid-19, a ampliação das desigualdades e a problemática da fome agravada, engatilhou uma nova atuação: as Cozinhas Solidárias (CS). Esses espaços oferecem refeições gratuitas nas periferias do país e se fortalecem, também, como um local de fomento do poder popular, uma vez que se constroem e mantêm por bases verdadeiramente solidárias. Essa pesquisa focou sua análise na Cozinha Solidária localizada no Sol Nascente, território periférico do Distrito Federal, ainda em constantes transformações e atualmente, com o maior nível de IAN do DF. Esse território revela diversas formas de desigualdade e escancara a problemática do atual sistema alimentar. Assim, a partir de uma pesquisa etnográfica associada a entrevistas semi-estruturadas, analisadas pela metodologia da análise de conteúdo proposta por Bardin (1977), investigou-se a percepção de três grupos de atores envolvidos na dinâmica da Cozinha Solidária: as cozinheiras, as agricultoras fornecedoras de alimentos e as mães de crianças que frequentam o reforço escolar oferecido no espaço. Os resultados demonstraram a CS como um espaço importante na rotina dos grupos de atores selecionados, contribuindo não só com a alimentação, mas com a sociabilidade, educação e saúde da comunidade. Ademais, revelou-se o protagonismo feminino na luta pela soberania e segurança alimentar e nutricional, e em toda a dinâmica que envolve a CS - do campo a cidade - bem como a sobrecarga experienciada por essas mulheres. A partir da complexidade de organização de um movimento social na luta pela alimentação para todos e da injusta realidade experienciada nas periferias, as Cozinhas Solidárias ainda são um campo vasto para estudos.