A gênese do gosto por ciência na educação básica
Educação em Ciências, Gosto por Ciência, Sociologia da Educação.
Em diversos países do mundo, está sendo observado um declínio no interesse por carreiras relacionadas a ciência e tecnologia (C&T) entre jovens em idade escolar. Ao mesmo tempo, mulheres e famílias de classe popular estão sub-representadas nessas carreiras, indicando que o interesse por ciência pode incorporar desigualdades sociais. Como resposta a esse problema, esta tese introduz o conceito de gosto por ciência como ferramenta para investigar, desde uma perspectiva crítica, o desenvolvimento do interesse por ciência dos estudantes. Fundamentada em um diálogo entre as obras de Pierre Bourdieu e John Dewey, a noção de gosto por ciência permite situar o interesse científico entre a estrutura das relações de classe e as experiências estéticas individualmente vividas na escola. Assim, o gosto por ciência é definido como o senso prático que orienta os estudantes a distinguir quais linguagens, procedimentos e pessoas pertencem à ciência. Na medida em que aprendem a fazer essas distinções de maneira competente, alguns estudantes vão sendo reconhecidos (pelos colegas ou por eles mesmos) como pessoas de ciência. Portanto, o desenvolvimento do interesse científico ultrapassa experiências meramente comemorativas, integrando sentimento, entendimento e pertencimento. A imagem pública da ciência e do cientista pode influenciar substancialmente decisões profissionais dos estudantes. Uma parte desta pesquisa investigou como jovens da Educação Básica em duas instituições de ensino privadas veem a ciência e de que forma essa percepção orienta (ou não) suas escolhas profissionais. Outra parte desta pesquisa foi a realização de entrevistas sobre a história de vida de cinco ex-estudantes da educação básica, atualmente cursando o ensino superior. Os estudantes têm condicionantes sociais distintos (gênero, cor e classe social), embora tenham tido o mesmo professor de Química do ensino médio. As entrevistas situaram as experiências familiares e escolares na elaboração dos Retratos Sociológicos com o objetivo de identificar disposições que permitiram responder como que a continuidade das experiências dos entrevistados contribuiu para o desenvolvimento do gosto por ciência e de que maneira a escola e os professores contribuem para os estudantes se afastarem da/identificarem com a ciência. A análise da primeira parte permite concluir que o contato dos estudantes com a ciência escolar pode produzir impressões duradouras e preceituosas sobre a ciência e sua relação com a sociedade. É usual encontrar uma imagem distorcida da ciência como atividade arriscada e praticada por homens brilhantes, desencorajando meninas e meninos talentosos a se identificarem como participantes da ciência. Algumas atitudes promovidas por professores são apresentadas e podem diminuir essa imagem distorcida. Os resultados das entrevistas mostraram que as disposições são construídas pela vivência familiar e os estudantes pouco recordam de episódios que tenham se distinguido durante uma prática científica escolar, apesar de terem demonstrado distinções em outras situações tanto na escola quanto na família. A personalidade dos professores de Ciências se mostrou substancialmente relevante para desenvolver o gosto por ciência de alguns estudantes. Os estudantes, embora pouco se recordem das aulas vivenciadas, são capazes de identificar um professor que respeita a individualidade deles. Algumas características de um professor valorizadas pelos estudantes são apresentadas. A escola se mostrou relevante para a escolha da carreira profissional, embora de forma revogável. Ademais, sempre há, em alguma medida, a influência familiar na carreira profissional. São apresentadas atitudes docentes potencializadoras para desenvolver o gosto por ciência e influenciar estudantes quanto à carreira científica, apesar de se reconhecer que a escola apresentará limitações. Esta tese defende um olhar para situações, muitas vezes menosprezadas, na escola durante as aulas de ciências como maneiras de agir, falar, respeito à individualidade com doses de humor e incentivo à participação de indivíduos excluídos e/ou ignorados.