"Caracterização do habitat específico de Uebelmannia pectinifera Buining subsp. pectinifera (Cactaceae), uma espécie ameaçada da Cadeia do Espinhaço de Minas Gerais, Brasil: subsídios para sua recuperação populacional e conservação".
Ameaças; distúrbios; endemismo; espécie exótica invasora; facilitação; preservação.
A biodiversidade global está em declínio e ações de proteção e restauração de habitats de espécies ameaçadas de extinção são fundamentais para promover a manutenção de suas populações na natureza. A caracterização dos habitats específicos de ocorrência de espécies raras e ameaçadas fornece informações valiosas que podem contribuir para o entendimento dos tipos de distúrbios existentes na área. Esforços de recuperação de populações de plantas precisam incluir a restauração minuciosa do habitat degradado para garantir a persistência de espécies endêmicas em risco de extinção. Dessa forma, é fundamental o conhecimento das principais características ou requisitos do habitat relacionados às espécies-alvo. Neste contexto, a avaliação da estrutura, a composição das espécies da vegetação, a caracterização da cobertura do solo, e as associações bióticas e abióticas, devem ser analisadas antes de iniciar ações de recuperação das populações de plantas. A associação abiótica em cactáceas envolve mecanismos relacionados ao aumento da umidade e nutrientes e diminuição da luz e temperatura. É observado também, que o conhecimento de aspectos demográficos é essencial para o planejamento de recuperação e conservação de espécies ameaçadas ou raras. Tais estudos permitem determinar quais estágios da história de vida são mais críticos e direcionar esforços para aumentar a sobrevivência, reprodução e vigor da população em longo prazo. Uebelmannia pectinifera subsp. pectinifera é um cacto raro, Em Perigo e endêmico da Cadeia do Espinhaço de Minas Gerais, região inserida entre Cerrado e Mata Atlântica, dois hotspots mundiais de biodiversidade. A área de ocorrência conhecida está localizada no interior e no entorno do Parque Nacional das Sempre-Vivas (PNSV), uma das poucas unidades de conservação de proteção integral da região. A destruição de seus habitats naturais, assim como a coleta ilegal envolvendo a retirada de indivíduos da natureza geram graves ameaças a essa espécie. Observações prévias indicam que o estabelecimento de U. pectinifera subsp. pectinifera na natureza está fortemente relacionado às associações bióticas e abióticas, um padrão documentado na ecologia de cactáceas. Assim, os objetivos deste trabalho foram analisar a composição e cobertura da vegetação, estrutura populacional e avaliar o papel das associações de U. pectinifera subsp. pectinifera com plantas e rochas, para subsidiar medidas de recuperação e conservação do táxon alvo. Para atingir os objetivos, foram estabelecidos 47 transectos constituídos por 10 parcelas de 5x10 m totalizando a amostragem de 2,35 ha. Para caracterizar a comunidade vegetal foram coletados, identificados e incorporados nos herbários CEN e UB, vouchers do material vegetal coletados nas transecções de amostragem através do método ponto intercepto. Para a avaliação da estrutura da população foram tomadas medidas de diâmetro e altura de todos os indivíduos de U. pectinifera subsp. pectinifera das parcelas. Foram consideradas plantas e rochas associadas presentes num raio de 20 cm do cacto. A radiação fotossinteticamente ativa (PAR) foi medida simultaneamente no espaço aberto e em três microhabitats: abaixo de Euphorbia attastoma Rizzini, Dyckia sp. e Vellozia spp. As medições da densidade do fluxo fotossintético ativo em µmol m-2s -1 foram realizadas de 15 em 15 segundos, durante 10 minutos, entre 13:00 e 14:00 horas. Para avaliar os possíveis efeitos da associação de plantas e as condições químicas do solo foram coletadas e analisadas 138 amostras de solo. As amostras de solo foram feitas embaixo das copas das plantas associadas ao cacto e no solo exposto (sem presença de planta ou rocha) em cada área de estudo. Foram avaliados: pH, Al, Fe, Cu, Zn e Saturação de Al. No programa estatístico R foram feitas as seguintes análises: ANOVA, Redundância, Escalonamento Multidimensional Não-Métrico, Modelos Lineares Generalizados, Histogramas e Qui-quadrado. Nas unidades amostrais, foram registrados 111 espécies vegetais distribuídas em 68 gêneros e 33 famílias. Do total de espécies, 22 são endêmicas dos campos rupestres de Minas Gerais e cinco foram classificadas em duas categorias de ameaça, de acordo com o CNCFlora. Foi observada a ocorrência da espécie exótica invasora Melinis minutiflora P.Beauv (Poaceae) próximo das transecções. As áreas amostradas apresentaram baixa dissimilaridade entre cobertura relativa por forma de vida e cobertura e ocorrência de espécies. Foram amostrados 337 indivíduos de U. pectinifera subsp. pectinifera e a estrutura populacional apresentou maior abundância de regenerantes e reprodutivos distribuídos nas classes intermediárias de diâmetro (52,53; 66,53; 80,53; 94,53 mm) e altura (13,4; 23,4 cm), sendo este um padrão relatado para outras cactáceas. Os indivíduos de U. pectinifera subsp. pectinifera ocorrem associados mais frequentemente com quatro espécies: Vellozia sp. (Velloziaceae), Dyckia sp. (Bromeliaceae) Apochloa sp. (Poaceae) e Euphorbia attastoma (Euphorbiaceae). A estrutura populacional por classes de diâmetro caracterizou-se pela maior abundância de indivíduos nas classes intermediárias acima de 38,53 a 94,53 mm, os quais foram mais associados à abundância de Vellozia cryptantha Seub., V. albiflora Pohl, V. tillandsioides Mello-Silva (Velloziaceae), Cipocereus minensis (Werderm.) F.Ritter (Cactaceae), Dyckia sp. (Bromeliaceae) e Lagenocarpus cf. rigidus Nees (Cyperaceae). A abundância de indivíduos infantes e jovens (classes de 10,53 a 38,53 mm) foi mais frequente em associação com o subarbusto Vellozia sp. e a erva Poaceae sp.1, rocha de quartzito e solo exposto. A associação com plantas aumenta o teor de nutrientes disponíveis no solo e diminui a radiação fotossintética ativa (PAR) nos microhabitats avaliados, onde o sombreamento favorecido pelo dossel das plantas pode beneficiar os cactos infantes e jovens. Concluímos que a especificidade do habitat de U. pectinifera subsp. pectinifera é alta, sendo demonstrada pelo número elevado de espécies associadas exclusivas dos campos rupestres de Minas Gerais. As populações do cacto apresentam indivíduos regenerantes e adultos reprodutivos, o que traz a possibilidade de estarem deixando descendentes. Não há evidências de distúrbios afetando negativamente a estrutura populacional atual dentro do PNSV, sendo necessária, no entanto, a realização de coletas de dados demográficos anuais para possibilitar o entendimento da viabilidade da população ao longo do tempo. Plantas são fortemente associadas ao cacto e, provavelmente, devem atuar promovendo a facilitação, a qual deve estar relacionada à diminuição da radiação solar direta que os cactos recebem e a uma maior disponibilidade de nutrientes nos solos, contribuindo para o estabelecimento e a manutenção de indivíduos na natureza. No entanto, uma avaliação dos efeitos da luz sobre a germinação de sementes e mudas do cacto abaixo dessas plantas poderá ajudar a elucidar o papel das possíveis facilitadoras. Adicionalmente, apesar desses resultados, a sobrevivência de U. pectinifera subsp. pectinifera nas áreas estudadas não parece depender dessas associações. A presença da espécie invasora e agressiva M. minutiflora traz um alerta para uma possível nova ameaça à persistência das populações do cacto em uma de suas áreas. O manejo de M. minutiflora na localidade surge com uma medida de conservação a ser adotada.