“Produção Não-Industrializada e Acesso à Cannabis de Uso Terapêutico no Brasil: Contribuições da Bioética de Intervenção”
“ Cannabis; Bioética de Intervenção; Uso terapêutico; Produção não-industrializada; Acesso e inclusão socia
Resumo (português): A Cannabis Sativa L. é uma das mais antigas espécies botânicas domesticadas pela humanidade há pelo menos 10 mil anos. Ela foi apropriada pela humanidade a partir de diversos usos e formas de produção. Depois de seu banimento e vilania que a caracterizou no último século, a retomada de seu uso legítimo para fins terapêuticos é um projeto em disputa no Brasil e no mundo, condicionado por fatores científicos, técnicos, sociais e morais. O objetivo desta pesquisa é identificar controvérsias sobre o uso da cannabis na área de saúde no Brasil nos últimos 5 anos, analisando os dilemas subjacentes a elas, à luz das categorias da Bioética de Intervenção; e, por outro lado, analisar soluções possíveis para legitimação do uso e da produção não-industrializada a partir dos pressupostos de acesso e inclusão social, buscando-se subsidiar alternativas. A metodologia utilizada articula a cartografia de controvérsias da teoria ator-rede de Bruno Latour, com a análise bioética e a realização de um experimento conduzido em laboratório para avaliar a padronização de formulações à base de cannabis em modelos não-industrializados, garantindo replicabilidade e controle de qualidade. Resultados principais indicam um embate constante entre setores que defendem a produção não-industrializada associada ao uso integral do fitocomplexo em um modelo de atenção diferencial e aqueles que privilegiam a regulamentação industrial baseada no clássico modelo biomédico-farmacêutico associado ao uso de medicamentos fitofármacos. Foram identificados padrões comuns na dinâmica social brasileira com outros países, mas também se reconhecem características singulares, com um número expressivo de organizações associativas desempenhando papel central. Conflitos entre entidades médicas, indústria farmacêutica e associações evidenciam disputas sobre qualidade, segurança e controle da produção, apresentando aspectos técnicos que, no entanto, refletem embates de ordem moral. A produção de alta qualidade é viável dentro de modelos não-industrializados a partir de metodologias inovadoras. Conclui-se que a regulamentação da cannabis terapêutica no Brasil permanece um campo de disputa, atravessado por interesses econômicos e políticos. A análise bioética dos resultados evidencia a necessidade de um modelo regulatório que privilegia a inclusão social e o empoderamento de atores sociais por meio das organizações civis, contemplando a diversidade de usos, segurança e qualidade sem excluir populações vulneráveis, e que reconheça o papel das associações na democratização do acesso aos produtos e à economia resultante de uma indústria emergente.