VULNERABILIDADE E CONDIÇÕES DE ACESSO AOS SERVIÇOS DE SAÚDE DE PESSOAS TRANS E TRAVESTIS: ANÁLISES DO BRASIL E DO DISTRITO FEDERAL
“Pessoas Transgênero; Pessoas Transexuais; Travestis; Vulnerabilidade em saúde; Vulnerabilidade social; Acesso aos Serviços de Saúde; Estratégia Saúde da Família; Revisão de Escopo; Estudos Transversais; Brasil_”
“Introdução: As pessoas trans possuem necessidades de saúde gerais e específicas que exigem atendimento integral, mas enfrentam condições cotidianas de vulnerabilidade que geram desigualdades no acesso aos serviços de saúde. No Brasil, não foi encontrada revisão de escopo que analisasse situações de vulnerabilidade social e/ou programática dessa população sob a perspectiva teórica de vulnerabilidade multidimensional. No Distrito Federal (DF), não se identificou pesquisa particularmente no que tange ao acesso a serviços de saúde entre pessoas trans e travestis admitidas no ambulatório especializado. Método: Dois estudos foram desenvolvidos neste trabalho. O primeiro estudo consiste em uma revisão de escopo para mapear e analisar situações de vulnerabilidade social e/ou programática que afetam o acesso à saúde da população trans. Foram pesquisados artigos brasileiros em seis bases de dados científicas, sem restrição de idioma, publicados entre 2019 e abril de 2023. Os títulos e resumos foram importados para a plataforma Rayyan, onde foram selecionados para extração de dados. A segunda pesquisa correspondeu a um estudo transversal, com dados coletados de prontuários de travestis, mulheres trans e homens trans (> 18 anos) admitidos no Ambulatório Trans do DF nos anos de 2018, 2019, 2021 e 2022. Para identificar fatores associados a ‘não ter sido acessado(a) pela ESF’, empregou-se análise bivariada (teste X2 ou exato de Fisher) com cálculo da razão de prevalência e IC95%, seguida de regressão logística binária para estimar OR ajustada com IC95%. Resultados: Na revisão de escopo, foram incluídos 46 artigos. Em 67% dos estudos analisados, foram identificados componentes de vulnerabilidade social e programática de forma conjunta. A dimensão social incluiu discriminação, violência em diversos contextos, exclusão social, preconceito, evasão escolar, falta de moradia, trabalho informal, renda precária e uso problemático de álcool e/ou outras drogas. A dimensão programática envolveu desrespeito ao uso do nome social, discriminação institucional, hormonização sem supervisão profissional, falta de serviços especializados e integração inadequada com a Atenção Primária à Saúde (APS), com discrepâncias entre as políticas de saúde e sua aplicação prática nos serviços. Os estudos apresentaram predominância de pesquisas com mulheres trans (61% vs. 7% com homens trans), desigualdade geográfica nas publicações e enfoque em temas de HIV/aids e saúde mental, com distribuição equilibrada entre as metodologias. No estudo transversal, com amostra de 261 pessoas trans (57% homens, 37,6% mulheres, 5,4% travestis), predominaram pessoas jovens (66% entre 18-29 anos), negras (61,3%), em atividade remunerada (46,7%) e escolaridade até ensino médio completo (54,3%). Apenas 25% haviam retificado o nome civil, enquanto 73,2% relataram experiências discriminatórias. Cerca de metade das mulheres trans e travestis iniciaram a transição sem acompanhamento profissional. Doenças psiquiátricas foram frequentes. Destacou-se maior utilização de serviços de emergência em comparação com a APS. A busca por atendimento na Unidade Básica de Saúde (UBS) quando adoeceu reduziu em 86% a chance de não ser acessado(a) pela ESF (p<0,001). Conclusão: Evidenciam-se iniquidades sociais e em saúde na população trans e travestis, demandando políticas públicas efetivas de saúde integral e uma APS reformulada para reduzir disparidades, fortalecer vínculos e ampliar a cobertura da ESF.”