Territórios políticos: o cozinhar e o comer na Cozinha Solidária do MTST no Sol Nascente, DF
“Cozinha Solidária; Segurança Alimentar e Nutricional; Movimentos sociais; Organização não governamental; Interseccionalidade__”
“Ao chegar no Brasil, a pandemia de Covid-19 agravou a insegurança alimentar e nutricional, aumentando a fome no país. Desde as contribuições acadêmicas e políticas de Josué de Castro em sua obra Geografia da Fome (1946) até os dias atuais, a fome atravessa diversos corpos e vivências, determinados por diferentes sistemas de opressão. A fome neste trabalho é considerada um fenômeno social complexo e que se agravou no contexto da pandemia de covid-19 e na ausência do Estado. Diante das crises instaladas, as organizações da sociedade civil e os movimentos sociais mobilizaram antigas e criaram novas estratégias de combate à fome. Dentre elas destacamos as Cozinhas Solidárias sobre a qual nos debruçamos para construir este estudo. Dessa forma, o surgimento e expansão recentes das Cozinhas Solidárias no país têm sido de interesse de pesquisadoras e pesquisadores. Em sua maioria os estudos abordam questões sobre os públicos assistidos ou sobre o potencial de garantir a segurança alimentar e nutricional e outros direitos. Porém, ainda são escassos na literatura estudos que evidenciam as trabalhadoras das cozinhas, em sua maioria mulheres negras, e sua importância tanto para que as cozinhas alcancem o seu potencial como para a promoção da qualidade de vida de suas comunidades. Portanto, temos como objetivo geral do estudo, compreender a práxis do comer e do cozinhar como atos políticos a partir da experiência da Cozinha Solidária do MTST no Sol Nascente, no Distrito Federal. Nossas perguntas orientadoras foram: “o que constitui os atos de comer e cozinhar como atos políticos nessa experiência?”; “como se deu o processo de politização desses atos?” e ainda “quais as interfaces e distinções entre a Cozinha Solidária e as políticas públicas com as quais ela se relaciona?”. Enquanto abordagem metodológica o estudo se configura como qualitativoexploratório a partir da Pesquisa Participativa Baseada na Comunidade. Com apoio das lideranças locais, criamos um grupo de 10 mulheres que estiveram engajadas nas atividades da Cozinha Solidária entre janeiro e julho de 2024. Realizamos três encontros, entre novembro de 2024 e fevereiro de 2025, os quais foram gravados e transcritos. Além disso, realizei a vivência no território com registros no diário de campo entre setembro de 2024 e fevereiro de 2025. Os materiais foram analisados conforme a Análise temática reflexiva, com uso das lentes teóricas: marxista, da interseccionalidade e cozinhar e comer como atos políticos. A partir das análises, os resultados indicaram que a formação política proveniente do MTST e das parcerias cumpriram um importante papel na politização das cozinheiras e como consequência na formação política dos atos de cozinhar e comer. Além da formação, a amorosidade foi outro componente do combate à fome na Cozinha Solidária, que se traduziu na promoção da equidade e do cuidado nos momentos de distribuição das refeições. Já em relação às políticas públicas, no que se refere ao Programa Cozinha Solidária, identificamos a ausência de medidas que incidem diretamente na melhoria das condições de trabalho das cozinheiras bem como de reconhecimento e valorização do seu trabalho e das diversas atividades que promovem na comunidade. Enquanto isso o Restaurante Comunitário, que fica próximo à cozinha, foi reconhecido como um equipamento capaz de promover o acesso à alimentação para mais pessoas, porém a qualidade das refeições a adequação aos hábitos alimentares dos frequentares precisa de investimentos. Sugerimos que estudos futuros se debrucem sobre os efeitos da institucionalização na sustentabilidade e no potencial revolucionário das Cozinhas Solidárias, e nas estratégias de valorização e reconhecimento do trabalho das mulheres negras cozinheiras nesses espaços. Ao longo do estudo destacamos o uso da lente interseccional para visibilizar as trabalhadoras das Cozinhas Solidárias no intuito de romper com as repetições dos sentidos que a cozinha, o cozinhar e as cozinheiras tiveram no passado, e que não deveriam ser perpetuados nessa experiência. Esperamos que este trabalho contribua para o campo da alimentação e nutrição, das políticas públicas de segurança alimentar e nutricional, bem como dos estudos críticos em alimentação, afirmando a relevância das mulheres negras cozinheiras que ocupam espaços de cozinhar coletivos para a transformação dos contextos de fome e na de garantia do direito humano à alimentação adequada, em suas comunidades e em todo o país._