DELAÇÃO PREMIADA E SELETIVIDADE: QUEM SÃO OS DELATORES DA OPERAÇÃO LAVA JATO
CRIMONOLOGIA CRÍTICA, SELETIVIDADE, DELAÇÃO PREMIADA, OPERAÇÃO LAVA JATO, TRANSPLANTE LEGAL
A Operação Lava Jato (2014 a 2021) foi considerada a maior cruzada contra a corrupção já empreendida no Brasil e aprofundou uma crise política sem precedentes no período de redemocratização, a partir do marco constitucional de 1988. A persecução de crimes de colarinho branco, com a promessa de levar à prisão uma classe que parece estar fora do alvo da criminalização secundária, i.e, os donos do poder econômico e político, se firma na narrativa de superação da seletividade penal como forma de legitimar todo o sistema punitivo e conferir[1]lhe propósitos estranhos a sua vocação, tais como diminuir desigualdades sociais, chamando a si um papel de ativismo político que não lhe cabe. O aparente sucesso e a adesão pública à Operação Lava Jato se deram por conta de uma soma de fatores dentre os quais se destaca, no campo jurídico, a disseminação do uso do instituto da delação premiada. A investigação sobre os sujeitos que estavam aptos a se beneficiar da delação ou foram escolhidos para isso, indica que há características específicas que identificam o grupo de delatores e o grupo de delatados. Naquele, a grande maioria é composta de empresários investigados pelos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro, formação de cartel e organização criminosa, dentre outros delitos econômicos. O grupo de delatados se constitui majoritariamente de políticos e agentes públicos. A distinção indica que, apesar do discurso de superação da seletividade penal, a Lava Jato operou uma outra forma de seletividade ideologicamente firmada na ideia de que o Estado e a classe política são corruptos e ineficientes ao passo que o mercado e seu empresariado são dotados de valores virtuosos e éticos, pensamento baseado no ideal neoliberal norte-americano. A adoção de mecanismos de barganha contém a promessa da americanização do sistema jurídico que significaria, no imaginário de alguns, uma justiça mais eficiente e justa. No entanto, o transplante de instituto inspirado na tradição anglo-saxônica para um sistema processual de raízes romanogermânicas aprofunda seus aspectos inquisitoriais e arbitrariedades, com graves consequências para o sistema de garantias e direitos fundamentais. A falsa promessa de superação da seletividade penal na perquirição dos crimes de colarinho branco, assim, legitima todo o sistema punitivo que, ao fim e ao cabo, fortalece sua vocação primeira ‒ essa sim bastante eficiente ‒ de etiquetar sua clientela preferencial: as classes mais vulneráveis e menos favorecidas