A virtude e a corrupção nas palavras do rei (Castela, século XIII)
Corrupção; Alfonso X; Siete Partidas; Especulo; Cantigas de Santa Maria
A noção moderna de corrupção é acompanhada de uma visão moralizante que, por sua vez, lança sobre o passado europeu e sobre sociedades atuais não europeias “acusações” de corrupção, com o objetivo de universalizar determinados padrões da contemporaneidade e transformá-los em virtudes políticas. Esse tipo de análise despreza lógicas históricas, resultando em conclusões anacrônicas sobre outras sociedades, quase sempre tachadas de precárias, politicamente pouco sofisticadas, o que as impediria de alcançar a “desejada modernidade”. Devido à lente de observação adotada, muitos pesquisadores que se debruçam sobre o período medieval enxergam nele uma época corrupta por excelência, atravessada por tantos desvios que a proposta de construir um objeto de estudo em torno da corrupção seria tarefa inglória. Os riscos de analisar a corrupção medieval por meio de referenciais modernos são grandes, na medida em que os resultados certamente devolverão uma imagem do passado que não passa de um reflexo (positivo ou negativo) do nosso presente. Um aspecto bastante sintomático desse exercício anacrônico é a frequente acusação de que os medievais não sabiam – ou não conseguiam - separar a esfera pública da privada. Entretanto, o campo da antropologia política oferece contribuições significativas ao estudo da corrupção, pois chama a atenção para a existência de moralidades diferentes e próprias a cada sociedade estudada. Se debruçar sobre diferentes moralidades significa abandonar nosso conceito de corrupção, incrustrado de noções pré-concebidas de certo/ errado, moralmente aceito/ moralmente condenável, e procurar entender como as sociedades do passado construíram o seu conceito de corrupção. O objetivo desta dissertação é compreender como o problema da corrupção/corrosão da sociedade era formulado e enfrentado em três obras produzidas na corte de Alfonso X de Castela (século XIII), que tiveram ampla circulação e grande influência na Península Ibérica, em uma perspectiva que permita interpretá-lo em profunda conexão com o modelo político que dava forma àquela sociedade. Pretende-se, assim, oferecer subsídios que permitam mostrar a relevância de se estudar a corrupção em perspectiva política e histórica, de modo a superar análises de cunho moralista e “a-histórico”.