Estudo numérico de interfaces líquidas complexas: de gotas recobertas por surfactantes iônicos a fenômenos eletro-hidrodinâmicos
emulsões, surfactantes iônicos, eletrohidrodinâmica, Level set, Ghost fluid.
A estabilidade e o controle de escoamento de emulsões são fundamentais para o
design de produtos em diversas indústrias, como engenharia ambiental, recuperação de
petróleo, indústria alimentícia e farmacêutica. A estabilidade de emulsões depende de
fenômenos interfaciais, nos quais surfactantes iônicos—moléculas anfifílicas com grupos
eletricamente carregados—desempenham um papel crucial ao se adsorverem nas interfaces
de gotas, reduzindo a tensão superficial e proporcionando repulsão eletrostática o
que pode evitar a coalescência. Esses surfactantes se redistribuem na interface das gotas
sob escoamento, acoplando o balanço de forças na interface com mecanismos de transporte
de carga. Este estudo investiga dois aspectos interconectados da eletrohidrodinâmica de
gotas: (1) o efeito da carga e do campo elétrico dos surfactantes iônicos na dinâmica de
gotas sob ação de escoamentos de cisalhamento simples, e (2) a resposta eletrohidrodinâmica
de gotas sob campos elétricos aplicados, com foco na advecção de carga e no
regime de eletrorotação.
Na primeira parte, exploramos por meio de simulações numéricas gotas cobertas
por surfactantes em cisalhamento simples, empregando uma metodologia unificada que
integra efeitos elétricos e hidrodinâmicos. Uma metodologia numérica acoplada combina
o método de projeção para resolver as equações de Navier-Stokes, a técnica de Level-
Set para capturar a interface e o método do Closest Point para resolver a equação de
transporte de surfactante. Essa abordagem captura a competição entre advecção induzida
pelo cisalhamento, difusão de surfactante e eletro-migração de íons na interface da gota.
Demonstramos que a deformação da gota é ditada pelo número de Mason (razão entre
forças viscosas e elétricas), pela razão de mobilidade (eficiência do transporte de carga),
pelo número de capilaridade (razão entre forças viscosas e capilares), pelo número de
Peclet (razão entre transporte advectivo e difusivo), pela cobertura de surfactante e pelo
parâmetro de elasticidade da interface. A densidade de carga superficial, linearmente
dependente da concentração de surfactante, leva ao acúmulo de carga em regiões de alta
curvatura via advecção do escoamento, enquanto a difusão redistribui as cargas e a eletromigração
desloca as concentrações máximas para longe das extremidades da gota.
A segunda parte examina a eletrohidrodinâmica de gotas, sem surfactantes ou imposição
de escoamento externo, apenas sob campos elétricos uniformes. Aqui, a convecção
de carga superficial e a rotação de Quincke—uma rotação espontânea devido ao torque
induzido pela distribuição de carga em relação à direção do campo elétrico aplicado—são
analisadas. A estrutura numérica é estendida com o método de Ghost Fluid para lidar com
descontinuidades interfaciais (por exemplo, permissividade, condutividade) e um modelo
de interface difusiva que suaviza as transições na interface. Ao comparar os tratamentos
de interface do tipo "sharp" (via Ghos fluid) e difusiva, identificamos regimes em que
a convecção de carga domina a deformação e desencadeia a rotação de Quincke. O ângulo
de inclinação durante a rotação alinha-se com a teoria para esferas rígidas em baixos
números de capilaridade elétrica, mas apresenta uma leve divergência sob campos elétricos
fortes, destacando o papel da mobilidade interfacial da gota. Comparações quantitativas
com dados experimentais e modelos teóricos validam nossa metodologia, reforçando sua
capacidade de unir paradigmas de interface "sharp" e difusiva.
Os resultados destte estudo avançam a compreensão da dinâmica de gotas em
ambientes multifísicos, oferecendo insights para otimizar a estabilidade de emulsões e a
manipulação eletrohidrodinâmica em aplicações industriais.